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Oceano Índico

Maria Paula Meneses
Publicado em 2019-04-01

O Oceano Índico, que une a África, a Asia e a Austrália, é o terceiro maior oceano do mundo, pois as suas águas cobrem cerca de 20% da superfície da Terra. Este oceano, cujo nome atual é inspirado na Índia, conheceu vários outros nomes. Por exemplo, nos antigos textos em sânscrito é conhecido como Ratnakara (ou seja, oceano); já em muitos mapas do início da idade moderna é identificado como ‘oceano oriental’ (em oposição ao outro oceano conhecido, o atual Atlântico, então designado de ocidental).


Desde cedo que as águas do Oceano Índico conheceram um trânsito intenso de marinheiros, comerciantes, religiosos, e outros migrantes que se deslocavam em busca de mercadorias, de novas terras, ou do grande desconhecido. Estes movimentos foram moldados por fatores de natureza geográfica, social, religiosa e política. Mas o comércio significa não só a troca de bens, mas também a troca de conhecimentos, crenças e valores. Ao longo dos séculos, essas trocas transformaram o Índico num espaço interligado, onde as ligações económicas, especialmente o comércio de longa distância, jogaram um papel determinante na criação de um projeto global desenvolvido a partir do Oceano Índico. Grande parte das narrativas sobre o Índico tem-se centrado nas suas margens orientais (Ásia), emergindo as costas índicas de África como mais marginais à história deste oceano (Alpers, 2014). Parte deste problema resulta da força de uma narrativa de matriz eurocêntrica sobre a história do Índico (Bethencourt e Ramada, 2007).


A passagem do navegador português Vasco da Gama pelas margens africanas do Índico a caminho da Índia, nos finais do século XV, simbolizou o início da implantação de relações coloniais europeias sobre o Índico. Os projetos subsequentes de historiografias coloniais vão procurar reformular o sentido deste oceano em função do imaginário europeu (o que vai incluir a alteração, inclusive, o nome deste oceano); esta reorganização epistémica e ontológica procurou, e continua a procurar traduzir o Índico em função dos referenciais associados ao moderno projeto eurocêntrico. Porém, apesar desta marca presente em muita da historiografia contemporânea, o Índico vai manter muitos dos seus traços característicos (formados a partir de inícios da nossa era): fluxos especializados de capital e trabalho, habilidades e serviços, ideias e cultura (Bose, 2006). É este processo de globalização que explica a relevância continuada do Oceano Índico como um espaço inter-regional em uma época de intensas interconexões globais.


No século XXI, o Índico continua a jogar um papel estratégico num mundo global, onde continuam a acontecer ações de pirataria, onde a competição chino-indiana pelo controlo de rotas marítimas de energia, de matérias-primas e dos mercados africanos é uma realidade (Lopes, 2013), onde fundamentalismos de matriz cristã e islâmica se cruzam, onde a luta contra desastres naturais e alterações ambientais é uma constante e onde o colonialismo subsiste uma realidade, com a continuidade de tutela colonial sobre vários territórios: França (Mayotte e Reunião), Reino Unido (Arquipélago de Chagos) e a ocupação americana do atol de Diego Garcia.


A descoberta e exploração de petróleo, principal marca económica do Oceano Índico no século XX, continua a dominar as preocupações globais com esta zona do mundo. Porém, a construção de um outro projeto político global, iniciado com o movimento dos não-alinhados em Bandung em 1955, é sinal das alianças forjadas nesta região. A denúncia do colonialismo e do racismo, a proposta de uma política de cooperação económica e cultural de perfil afro-asiático, para além de qualquer proposta neocolonial, e o reclamar das culturas autóctones vão ser momentos quer marcarão esta iniciativa do Sul. Esta realidade, e as ‘novas’ alianças que se estão a consolidar entre a China, Índia e outros países do Sul global traz, de novo, à discussão os temas das alianças sul-sul, dos contínuos processos migratórios que caracterizam a região, as solidariedades anticoloniais, sinalizando a presença de interações globais que ajudam a explicar a diversidade e complexidade que o mundo conhece.


Muitas são as continuidades que marcam o Oceano Índico, principalmente os ventos de monção que determinam as suas estações e as correntes oceânicas que unem as suas margens. As raízes históricas em que as sociedades humanas assentam as suas culturas específicas, o que é muitas vezes chamado de ‘tradição’, continuam a ter um valor significativo num mundo em constante mudança. Imaginar o mundo a que o Oceano Índico pertence requer conhecer os movimentos ao longo do tempo e do espaço de pessoas, coisas e ideias, recuperando histórias profundas esquecidas, reclamando outras formas de ser e estar. Em conjunto, estas diferentes perspetivas tornam possível pensar e sentir um mundo do qual o Oceano Índico é parte e que faz sentido histórica e contemporaneamente.

 

Referências e sugestões adicionais de leitura:
Alpers, Edward (2014), The Indian Ocean in World History. Oxford: Oxford University Press.
Bethencourt, Francisco; Ramada, Diogo (orgs.) (2007), Portuguese Oceanic Expansion, 1400–1800. Cambridge: Cambridge University Press.
Bose, Sugata (2006), A Hundred Horizons: the Indian Ocean in the Age of Global Empire. Cambridge: Harvard University Press.
Lopes, José (2013), Corredores Mineiro-Energéticos 2020: impactos marítimos do Afro-Índico no canal de Moçambique. Maputo: CESAB.

 

Maria Paula Meneses é investigadora coordenadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, núcleo de estudos sobre Democracia, Cidadania e Direito. É doutorada em antropologia pela Universidade de Rutgers (EUA) e Mestre em História pela Universidade de S. Petersburgo (Rússia).

 

Como citar

Meneses, Maria Paula (2019), "Oceano Índico", Dicionário Alice. Consultado a 28.03.24, em https://alice.ces.uc.pt/dictionary/?id=23838&pag=23918&id_lingua=1&entry=24451. ISBN: 978-989-8847-08-9