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Nakba

Shahd Wadi
Publicado em 2019-04-01

Nakba (نكبة) é um termo árabe que significa “catástrofe” ou “desastre”, e é utilizado sobretudo para referir a ocupação da Palestina e expulsão do seu povo através de um plano premeditado cuja implementação continua até ao dia de hoje, com o objectivo de estabelecer um estado israelita, exclusivamente judeu.


A Nakba está normalmente ligada ao êxodo palestiniano, depois da expulsão de mais de dois terços da população palestiniana da sua terra e da destruição completa de aproximadamente 530 cidades, vilas e aldeias palestinianas, para evitar o regresso dos habitantes expulsos. As atrocidades das forças israelitas cometidas para realizar o plano de limpeza étnica incluíram mais de 30 massacres. As forças israelitas tomaram controlo de 78% da Palestina histórica. Cerca de 1,4 milhões de pessoas viviam na Palestina histórica antes de 1948 e aproximadamente 800.000 foram expulsas da sua terra natal. A minoria palestiniana que conseguiu ficar tornou-se cidadã do novo estado israelita, mas, ainda hoje, não tem direito a cidadania plena. O resto da população tornou-se refugiada, fora e dentro da Palestina, estimando-se em cerca de 6 milhões as pessoas que se encontram actualmente nesta condição. Quer aos primeiros refugiados quer aos seus descendentes não é permitido regressar à sua terra de origem. Muitos deles, por se terem refugiado em regiões que vão conhecendo situações de guerra ou de instabilidade política veem repetida a sua condição de refugiados. Com o objectivo de manter viva a ideia da Palestina, a geração da Nakba, especialmente as mulheres, mantem a tradição de contar aos mais novos entre os refugiados a história da família antes e depois da partida de 1948.


Deve-se a Theodor Herzel, o fundador do movimento sionista, a ideia de criar um estado judeu na terra da Palestina, algo que foi discutido pela primeira vez no congresso sionista em 1897. Mais tarde, através da declaração Balfour, de 1917, a Grã-Bretanha anunciou a decisão de apoiar a criação de um estado judeu na Palestina. Em 1947, as Nações Unidas emitiram uma resolução de partilha da Palestina em dois estados (na altura apenas uma recomendação), em que 56% do território seria destinado aos imigrantes judeus, os quais constituíam apenas 30% da população. A resolução foi votada mas não implementada, o que deu espaço aos sionistas para por em prática com suposta legitimidade o denominado “plano de transferência” (eufemismo sionista para a limpeza étnica realizada), utilizando o plano Dalet para criar um estado exclusivamente judeu. O dia da Nakba, normalmente comemorada a 15 de Maio, é o dia em que Israel anunciou a fundação do “estado israelita”, depois da Grã-Bretanha ter anunciado o fim do seu mandato na terra da Palestina, que se iniciara em 1920.


A segunda grande perda para a Palestina, designada por Naksa, data de 1967. Consequência da Guerra de Junho (Guerra dos Seis Dias), que opôs alguns países árabes a Israel, consistiu na ocupação militar da Cisjordânia e da Faixa da Gaza, trazendo mais tragédia ao povo palestiniano. Naksa significa “recaída”. No caso coletivo palestiniano, o termo é ligado estreitamente com a Nakba: a Naksa é a recaída após a Nakba.


O termo Nakba normalmente é atribuído ao sírio Constantin Zureiq, que escreveu o ensaio Ma’na Al-Nakba (O Significado do desastre) em 1948, onde referiu a Nakba como um desastre que se abateu sobre o mundo árabe inteiro. Todavia, o termo Nakba já tinha sido utilizado muito antes que o povo palestiniano percebesse a essência do plano israelita de expulsão e de limpeza étnica. O termo foi mencionado pela primeira vez num dos folhetos que a força aérea israelita lançava sobre as populações da Palestina nas vésperas dos ataques às vilas e aldeias. Os folhetos funcionavam como uma ameaça, convidando o povo a render-se e a sair pacificamente para evitar uma Nakba. Os próprios agressores consideravam a destruição e expulsão como uma Nakba. Como afirmam os Novos Historiadores, entre eles o israelita Ilan Pappe, os ocupantes trouxeram o termo para a terra da Palestina e vêm mantendo a implementação da Nakba até ao presente através das várias políticas sionistas de ocupação de territórios e de expulsão, bem como de tentativas de extinção da identidade e da cultura palestinianas.


O termo Nakba é muito associado a tristeza, sentimentos de perda, traição e tragédia. Não é apenas uma palavra-chave ou um marco na história da Palestina. Constitui-se como memória colectiva, uma identidade nacional que se projecta nas gerações seguintes ao início da ocupação. A Nakba não é considerada passado. O que aconteceu em 1948 ainda não terminou e os palestinianos vivem ainda as consequências disso e experienciam no presente processos idênticos. A Nakba é um momento histórico quase sem precedência: um país foi ocupado por uma minoria estrangeira e praticamente esvaziado do seu povo num curto período de tempo. O povo palestiniano nunca teria imaginado uma tal catástrofe. Até hoje a Nakba continua, e continua incompreensível para este povo.

 

Referências e sugestões adicionais de leitura:
Abu Sitta, Salman H. (2000), The Palestinian Nakba 1948: The Register of Depopulated Localities in Palestine. London: The Palestine Return Centre.
Khalidi, Walid (2012), Nakba 1947-1948. Études Palestiniennes, Sindbad.
Pappe, Ilan (2011), The Ethnic Cleansing of Palestine. Oxford: Oneworld Publications.
Sa’di, Ahmad H.; Abu-Lughod, Lila (2007), Nakba: Palestine, 1948, and the Claims of Memory. New York: Columbia University Press.

 

Shahd Wadi é Palestiniana, entre outras possibilidades, mas a liberdade é sobretudo palestiniana. Procurou as suas resistências em “Corpos na trouxa: histórias-artísticas-de-vida de mulheres palestinianas no exílio”, a sua tese de Doutoramento em Estudos Feministas pela Universidade de Coimbra. Aqui, considera as artes um testemunho de vidas. Também da sua.

 

Como citar

Wadi, Shahd (2019), "Nakba", Dicionário Alice. Consultado a 28.03.24, em https://alice.ces.uc.pt/dictionary/?id=23838&pag=23918&id_lingua=2&entry=24419. ISBN: 978-989-8847-08-9