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Maria Irene Ramalho

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Revolução

Jonas Van Vossole
Publicado em 2019-04-01

Etimologia
Revolução significa uma transformação profunda e qualitativa. Enquanto que no seu significado antigo – vindo do latim –, o termo designava a ocorrência de movimentos cíclicos, e, portanto, repetições – esta ciclicidade perde proeminência na sua utilização na teoria política moderna. Principalmente desde a revolução francesa, o conceito de revolução ganhou um significado modernista de progresso e de mudança social emancipatório, ou seja, deu um passo à frente na trajetória da história de sociedades.


Revoluções existem em diferentes campos e contextos históricos. Encontramos revoluções socioeconómicas, revoluções políticas, revoluções de valores, revoluções burguesas, revoluções socialistas, a revolução Francesa, Inglesa, Chinesa, Russa, Iraniana e Portuguesa. Revolução Industrial, revolução científica, revolução sexual, etc. Esta sua diversidade fez surgir uma das mais recentes críticas à sociologia das revoluções e à teoria revolucionária na sua versão moderna: como cada contexto é diferente, os fatores culturais e materiais que criam as revoluções também o são. Esta crítica defende por isso a impossibilidade de uma única teoria revolucionária.

 

Teoria revolucionária
A teoria revolucionária – o pensamento que descreve, sistematiza e a partir disso prevê o funcionamento revolucionário da história – teve desde o seu surgimento com a modernidade um papel importante na legitimação de alternativas políticas radicais a essa mesma modernidade e, com isso, teve também um papel importante no desenvolvimento das ciências sociais críticas. No seu âmbito de transformação social profunda, a revolução acaba com a ordem existente e as suas normas.

 

Sendo a revolução sempre um ponto ou evento de mudança entre dois estados, a revolução, e com ela a teoria revolucionária, existe em contradições. A revolução é pela sua natureza um conceito dialético. Encontra-se na fronteira entre objetividade e subjetividade, entre condições materiais e agência político-ideológica, entre ruturas e continuidades. O estado/ordem revolucionária é sempre um estado de exceção do ponto de vista anterior. Ao mesmo tempo a ideia de revolução constitui uma nova configuração social projetada no futuro. Esta projeção de uma nova normatividade – ainda por ser – joga um papel essencial na crítica legítima da realidade atual, abrindo possibilidades para direitos alternativos e projetos utópicos, pelo facto de oferecer uma perspetiva de mudança radical que se quer tornar num novo senso comum.


Marx, Capitalismo e Revolução
A mais influente teoria revolucionária é a teoria Marxista (Lowy, 2005). Marx fundamentou a sua perspetiva revolucionária – uma perspetiva sobre e pela revolução – numa teoria materialista da história, concebida como uma história das lutas de classes produto das condições materiais e das relações sociais que moldam a vida dos sujeitos. Existe, no entanto, uma diferença entre revolta e revolução. Sendo esta uma diferença subjetiva, depende da consciência que transforma um objeto social (uma classe em si) num sujeito histórico (uma classe por si), consciente do seu papel político na mudança social.


Dentro da história social, revoluções sociais e políticas são o culminar de transformações quantitativas na economia política – o crescimento de tensões sociais e a mudança de relações de poder em consequência de alterações no sistema de produção – que se transformam numa rutura qualitativa, quando as superstruturas políticas já não aguentam a pressão. Concretamente, a teoria revolucionária de Marx previa que, com base na análise das revoluções burguesas e na análise do desenvolvimento da classe trabalhadora, a sociedade capitalista se ia revolucionar numa sociedade comunista.


É no contexto da oposição a esta perspetiva marxista que se molda o conceito que se costuma opor à revolução: o conceito de reforma, ou seja, a defesa da mudança gradual. Na teoria política, o reformismo ficou mais conhecido pelas ideias de Eduard Bernstein (1911), social-democrata alemão, que recusava as conclusões políticas revolucionárias de Marx. Constatando a falta de sucesso dos processos revolucionários na europa ocidental, segundo Bernstein, cuja teoria ficou dominante no movimento operário europeu, “não é a meta final que interessa, mas o caminho a percorrer". Nesse sentido, as reformas práticas, as melhorias na vida quotidiana na sociedade capitalista eram o que realmente importava.


Por seu lado socialistas revolucionários, como Deleon (1896), costumavam equiparar a diferença entre a estratégia revolucionária e a reformista como uma oposição entre uma mudança de forma e a mudança de essência, ou seja, a diferença de mudanças externas ou internas. Quando afirmamos que o mecanismo essencial interno não foi afetado, falamos de reforma, quando este mecanismo for alterado falamos de revolução. Visto que o reformismo tentava na prática articular o capitalismo com o movimento operário, para a Rosa Luxemburgo (1986) a questão entre reforma ou revolução também era uma disputa sobre o próprio caráter de classe do movimento socialista; entre o caráter pequeno burguês e o proletário.


Até hoje, o debate entre reforma e revolução como estratégia política continua vivo. Pode-se perguntar, no entanto, se a relação entre ambos é de oposição ou contradição dialética. O enfraquecimento da opção revolucionária não levou à hegemonia do reformismo; pelo contrário, a própria possibilidade de perspetiva de reforma parece desaparecer com a ausência de uma perspetiva revolucionária.

 

Referências e sugestões adicionais de leitura:
Bernstein, Eduard (1911), Evolutionary Socialism: A Criticism and Affirmation. New York: Huebsch.
Deleon, Daniel (1896), Reform or Revolution?. Boston: Wells’ Memorial Hall. Consultado a 19.04.2019, em https://www.marxists.org/archive/deleon/works/1896/960126.htm.
Löwy, Michael (2005), The Theory of Revolution in the Young Marx. Chicago: Haymarket Books.
Luxemburg, Rosa (1986), Reform or Revolution. London: Militant Publications. Consultado a 19.04.2019, em https://www.marxists.org/archive/luxemburg/1900/reform-revolution/index.htm.

 

Jonas Van Vossole é doutorando em Democracia do Século XXI no Centro de Estudos Sociais em Coimbra. É Mestre em Ciência Politica e em Economia pela Universidade de Ghent (Bélgica). É investigador da Associação de Estudos sobre Partidos e Representatividade de Ghent.

 

Como citar

Vossole, Jonas Van (2019), "Revolução", Dicionário Alice. Consultado a 28.03.24, em https://alice.ces.uc.pt/dictionary/?id=23838&pag=23918&id_lingua=2&entry=24524. ISBN: 978-989-8847-08-9