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Universidade Popular dos Movimentos Sociais - UPMS

Fábio Merladet
Publicado em 2019-04-01

Da necessidade de superar o isolamento das alternativas e promover uma política de inter-movimentos baseada na ecologia de saberes, na aprendizagem reciproca e na articulação entre a diversidade contra-hegemônica do mundo, surge em janeiro de 2003, durante a 3ª edição do Fórum Social Mundial, a proposta da Universidade Popular dos Movimentos Sociais, feita por Boaventura de Sousa Santos “com o objetivo de proporcionar a auto-educação dos ativistas e dirigentes dos movimentos sociais, bem como dos cientistas sociais, dos investigadores e artistas empenhados na transformação social progressista” (2005: 136), e também com o objetivo de “aumentar o conhecimento recíproco entre os movimentos e organizações e tornar possíveis coligações entre eles e ações coletivas conjuntas” (UPMS, 2012).


A proposta foi recebida com entusiasmo e desde então, ao longo da última década, a UPMS realizou dezenas de oficinas em diversos países da América Latina, África, Europa e Ásia, que contaram com a participação de mais de 500 movimentos, organizações, entidades, ativistas, artistas e intelectuais engajados na transformação social. Nessa trajetória a UPMS cresceu e enriqueceu-se enormemente com a contribuição de movimentos, organizações, experiências e sujeitos que, desde os mais diversos contextos políticos, geográficos, sociais e culturais, lutam contra a opressão e suas múltiplas faces perpetuadas pelo capitalismo, pelo colonialismo e pelo patriarcado.


Mas afinal, o que é a Universidade Popular dos Movimentos Sociais?
É preciso confessar que, à primeira vista, a UPMS causa estranhamento. Inusitada Universidade essa que reivindica ser popular e pertencer aos movimentos sociais: não tem professores nem alunos, não possui nenhum bem material em seu nome, não tem conteúdos programáticos, não oferece aulas, disciplinas ou quaisquer cursos de formação e a condição para participar de suas oficinas é o ativismo social e não o mérito acadêmico. Sentados sempre em grandes círculos, todos são educadores e educandos, todos tem algo de único a dizer e todos são portadores de conhecimentos singulares que fazem falta aos demais.


A diversidade é o rosto dessa estranha Universidade. Nela sentam-se lado a lado intelectuais, acadêmicos, indígenas, feministas, lideranças do movimento estudantil, ambientalistas, militantes da luta contra a homofobia e pelos direitos da população LGBT, trabalhadores da economia solidária, população de rua, sem-terra, sem-teto, quilombolas, ativistas da reforma urbana, sindicalistas, rappers, ocuppiers, indignados, pacifistas, migrantes e militantes do movimento negro, todos sem qualquer hierarquia. Toda essa imensa pluralidade, a princípio, possui muito pouco em comum. A princípio, há muito mais motivos que os separam do que motivos que os unem, mas nas oficinas da UPMS todos são convidados a ouvir reciprocamente os argumentos uns dos outros, a escutar a legitimidade das aspirações dos demais e a criar plataformas e agendas comuns de luta por um outro mundo possível.


Sendo iguais na diversidade, os movimentos terão que dialogar, e desse diálogo fraterno e humano que nada tem a ver com os diálogos imperiais que reproduzem a opressão, desse diálogo de alta intensidade que é também tensão e conflito surge a possibilidade do encontro com o Outro, a possibilidade do reconhecimento das divergências e de construção das convergências, a possibilidade de avaliar o que os separa e mesmo assim apostar no que os une, enfim, a possibilidade de uma verdadeira articulação entre as epistemologias do sul capaz de criar, a partir das aprendizagens plurais e recíprocas, novos caminhos de transformação, descolonização e emancipação.


Inspirada no Fórum Social Mundial, nas universidades populares e na longa tradição da educação popular, a UPMS utiliza como metodologia a ecologia de saberes e a tradução intercultural e se diferencia por seu caráter trans-escalar, intercultural e intertemático congregando a maior diversidade possível de movimentos. Se diferencia também porque não se propõe a divulgar o conhecimento científico para as classes populares, mas sim protagonizar diálogos e aprendizagens recíprocas entre os conhecimentos populares nascidos das lutas sociais e os conhecimentos científicos que se solidarizam com essas lutas.


Para construir um novo internacionalismo e recuperar o potencial emancipatório da indignação e da revolta diante do sofrimento injusto é preciso reconstruir as pontes que nos ligam aos muitos Outros que lutam arriscando as próprias vidas contra as muitas formas de opressão do momento presente e é precisamente isso que a UPMS está a fazer ao oferecer em suas oficinas um espaço em que, sem o risco de serem reduzidas ou incorporadas a outras experiências dominantes, as múltiplas lutas sociais podem estabelecer relações de interconhecimento, articulação e solidariedade na busca por um outro mundo possível e necessário.

 

Referências e sugestões adicionais de leitura:
Benzaquen, Júlia Figueiredo (2012), “A Universidade Popular dos Movimentos Sociais: entrevista com o prof. Boaventura de Sousa Santos”, Educação e Sociedade, 33(120), 917-927.
Santos, Boaventura de Sousa (2005), Fórum Social Mundial: Manual de uso. São Paulo: Cortez.
UPMS (Universidade Popular dos Movimentos Sociais) (2012), Carta de Princípios e Orientações Metodológicas da Universidade Popular dos Movimentos Sociais. Consultado a 24.04.2019, em http://www.universidadepopular.org/site/pages/pt/ documentos.php.

 

Fábio Merladet é doutorando do programa Pós Colonialismos e Cidadania Global do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, graduado em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais e integrante da Universidade Popular dos Movimentos Sociais.

 

Como citar

Merladet, Fábio (2019), "Universidade Popular dos Movimentos Sociais - UPMS", Dicionário Alice. Consultado a 28.03.24, em https://alice.ces.uc.pt/dictionary/?id=23838&pag=23918&id_lingua=4&entry=24578. ISBN: 978-989-8847-08-9