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Cooperativa

Pierre Marie
Publicado em 2019-04-18

Valor central nas sociedades humanas, a cooperação ganhou novos contornos com a sua concretização na forma jurídica de cooperativa. A fundação da Rochdale Equitable Pioneers Society, em 1844 na região de Manchester, constituiu o ato de nascimento da cooperativa moderna. Visando responder às dificuldades económicas dos operários no contexto da Revolução Industrial, a experiência de Rochdale, ao definir princípios basilares, tornou-se um marco fundamental para as cooperativas modernas. Em 1852, a Lei das Sociedades Industriais e Cooperativas forneceu um enquadramento jurídico ao movimento cooperativo no Reino Unido.


A cooperativa surgiu como uma resposta coletiva dos trabalhadores ao desenvolvimento capitalista acelerado pela Revolução Industrial. Várias correntes ideológicas - o anarquismo, o comunismo, o catolicismo e o reformismo social - encontraram nas cooperativas uma semente para a construção de um novo sistema económico, entre posturas reformistas e projetos revolucionários no seio do movimento operário. Apesar desta diversidade de projetos políticos, a recusa do lucro pelas cooperativas traduz uma resistência à lógica capitalista. Nas cooperativas, o capital constitui apenas um instrumento para a realização de objetivos comuns. Os excedentes são reinvestidos na cooperativa ou distribuídos pelos membros de acordo com a participação na cooperativa e nunca tendo em conta o seu capital financeiro. O princípio de “um cooperador, um voto” rompe com a governação capitalista ao introduzir uma democracia económica.


A expansão do setor cooperativo no âmbito da Revolução Industrial incentivou à união das cooperativas com a fundação da Aliança Cooperativa Internacional em 1895. Esta federação internacional permitiu alcançar uma definição da cooperativa como “uma associação autónoma de pessoas unidas voluntariamente para prosseguirem as suas necessidades e aspirações comuns, quer económicas, quer sociais, quer culturais, através de uma empresa comum democraticamente controlada”. Decorrente desta definição, a Aliança Cooperativa Internacional definiu - e reformulou ao longo dos anos - 7 princípios orientadores para as cooperativas: a adesão livre e voluntária; a gestão democrática; a participação económica dos seus membros; a autonomia e a independência em relação ao Estado e ao mercado; a educação, formação e informação dos seus membros e da população em geral; a intercooperação no setor e a intervenção na comunidade onde se inserem.


No Norte e no Sul, a cooperativa surge como uma das alternativas emancipatórias à lógica capitalista. Apesar da definição internacional de princípios orientadores, as cooperativas são objetos de tratamentos diferentes segundo os ordenamentos jurídicos nacionais. São assim, por exemplo, contempladas por um Código Cooperativo, desde 1980, em Portugal, por uma lei de 1971 no Brasil e integram o setor da Economia Social e Solidária em França, com a aprovação da lei de 2014. Segundo os últimos dados da Aliança Cooperativa Internacional, existem mais de 2,6 milhões de cooperativas em 145 países, envolvendo mais de 1 bilhão de membros e clientes. Algumas destas cooperativas alcançaram um lugar económico de destaque como o Crédit Agricole em França ou o grupo Corporación Mondragon no País Basco, em Espanha. As cooperativas estão hoje presentes em setores económicos tão diversos como a agricultura, a produção operária, o consumo ou ainda a cultura.


Enquanto organizações, as cooperativas enfrentam uma tensão entre a lógica de competitividade no mercado e o potencial alternativo inerente à democracia interna e à recusa do lucro. Existe, assim, um risco de uma colonização das cooperativas pela lógica capitalista, descaracterizando a sua essência. Ao intervir no mercado, as cooperativas entram em concorrência com empresas que não prosseguem os mesmos objetivos. Daí a tentação do isomorfismo - ao reproduzir modelos de gestão capitalistas - e uma potencial perda da identidade cooperativa. Ocorreu, também, uma instrumentalização da forma jurídica cooperativa por parte do sistema económico dominante. Em França, as maiores cooperativas estão presentes no setor bancário, dos seguros e da grande distribuição. O contexto de austeridade propiciou a instrumentalização das cooperativas para levar a cabo políticas sociais e de emprego de cariz neoliberal.


Esta ofensiva capitalista às bases das cooperativas não apaga, no entanto, o seu potencial de alternativa na definição de uma outra economia. As cooperativas surgem como uma tradução do conceito potenciador de autogestão e procuram delinear novas relações sociais no seio do sistema capitalista. Enquanto experiências de aprendizagem da gestão colectiva, as cooperativas constituem ferramentas de educação popular na procura de novos mecanismos democráticos de participação. Importa hoje reativar a dimensão política inerente à história do cooperativismo e assim potenciar novas formas de emancipação social e de produção não capitalista.

 

Referências e sugestões adicionais de leitura: 
Namorado, Rui (2013), O Mistério do Cooperativismo. Da Cooperação ao Movimento Cooperativo. Coimbra: Edições Almedina. 
Santos, Boaventura de Sousa (org.) (2003), Produzir para viver. Os caminhos da produção não capitalista. Porto: Afrontamento.
Singer, Paul (2013), Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo.

 

Pierre Marie é investigador em pós-doutoramento no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra no projeto "25AprilPTLab - Laboratório interativo da transição democrática portuguesa". É doutorado em História Contemporânea pela Universidade de Coimbra e pela Universidade de Caen - Normandie (França).

 

Como citar

Marie, Pierre (2019), "Cooperativa", Dicionário Alice. Consultado a 29.03.24, em https://alice.ces.uc.pt/dictionary/?id=23838&pag=23918&id_lingua=4&entry=24933. ISBN: 978-989-8847-08-9