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Globalismo Localizado

Francisco Freitas
Publicado em 2019-04-01

A globalização é um fenómeno multifacetado, composto por várias dinâmicas interrelacionadas e vários modos de produção. O globalismo localizado corresponde a uma das quatro formas de globalização, seguindo uma direção inversa ao localismo globalizado. Esta forma de globalização assenta no impacto específico de práticas e de imperativos transnacionais nas condições locais. É um processo que pode acarretar desestruturação e reestruturação para resposta direta a tais imperativos. São expressões de globalismos localizados os enclaves de comércio livre, as zonas francas, o desflorestamento e destruição maciça dos recursos naturais em nome de compromissos económicos, o uso turístico de património histórico, o dumping ecológico, a intensificação/industrialização da produção agrícola para participação no mercado global, ou a etnicização de locais de trabalho ou de determinadas tarefas específicas.

 

Face à crescente integração mundial, à criação de uma economia global, do aumento de interdependências, não deixa de ser importante destacar a forma como o Sul é invisibilizado pelo recurso às formas de globalização. É premente, como tal, uma resposta no seio das Epistemologias do Sul. Refere-se invisibilidade porque efetivamente este é um processo politicamente produzido. De facto, através da falácia assente na ideia que o impacto é uniforme em todas as regiões do mundo e em todos os sectores de atividade, que a inovação pode ser estendida até ao infinito, que a atualidade se faz de oportunidade, durante bastante tempo tem sido inculcada a ideia do fim do Sul. Contudo, no seio das globalizações são produzidas ou instigadas diversas assimetrias. Tais assimetrias declaram-se sob a forma globalismos localizados inúmeras vezes. Facilmente fica evidenciada a hipérbole que constitui tal fim do Sul declarado por vários autores, por muito que novos arranjos ou justificações sejam conferidos, desde logo a substituição de estados-nação enquanto unidades de análise fundamental por regiões, por exemplo.

 

No seguimento do ponto anterior, se situados em termos da divisão internacional da produção da globalização, os globalismos localizados invocam determinadas tendências específicas que se têm prolongado no tempo: ao abrigo do sistema-mundo, os países centrais especializam-se porventura em localismos globalizados, enquanto os países periféricos se limitam a acolher os globalismos localizados. No jogo complexo entre os dois tipos de entidades referidas no seio da intensificação das interações globais, surgem o cosmopolitismo ou temas globais classificáveis como património comum da humanidade. As duas últimas constituem outras formas de globalização a ter conta para um mais claro matizar de uma realidade que, garantidamente, assenta em dinâmicas complexas.

 

O advento da internet e das redes de comunicação tem assumido um papel importante na difusão de globalismos localizados. Um exemplo ilustrativo pode ser dado pelos commons. Na verdade os commons resultam de um diálogo entre processos de globalização, articulando duas das formas de globalização. Sobretudo a partir da gestão de recursos naturais e culturais, os commons representam uma forma particular de globalismo localizado. Por commons, podem ser compreendidos todos os recursos culturais e naturais disponíveis para todos os membros de uma sociedade, incluindo recursos materiais naturais tais como o ar, água, e terra habitável. Os commons constituem, assim, uma forma de socialização que tenta, em definição, contornar a posse privada de tais recursos. Nesse sentido, os commons incluem características de globalismos localizados, mas incluem, tal como já referido, traços de outra forma de globalização. Os commons são particularmente relevantes no contexto da revolução digital. Em tal contexto, assumem uma dimensão política inusitada, facilitando a difusão e sobretudo a reutilização de recursos em esferas de amplas transações globais. Devem, obviamente, ser analisados de forma crítica, uma vez que recursos naturais escassos são diferentes de recursos culturais, tal como aliás as dinâmicas de globalização demonstram empiricamente. Esta alusão aos commons serve sobretudo para sublinhar a ampla importância assumida pelos globalismos localizados presentemente, assim como para realçar que os diferentes processos de globalização têm sido influenciados de uma forma profunda pelas dinâmicas atuais de sociedades em rede e de interligação à escala global.

 


Referências e sugestões adicionais de leitura:

Bauman, Zygmunt (1998), Globalization: The Human Consequences. New York: Columbia University Press.

Ostrom, Elinor (1990), Governing the commons: the evolution of institutions for collective action. New York: Cambridge University Press.

Santos, Boaventura de Sousa (1997), "Por uma concepção multicultural de direitos humanos", Revista Crítica de Ciências Sociais, (48), 11–22.

Santos, Boaventura de Sousa (2015), Epistemologies of the South. Justice Against Epistimicide. Boulder (CO): Paradigm Publishers.

 


Francisco Freitas é um investigador português especializado na recolha, análise e tratamento de dados qualitativos e quantitativos. Os seus interesses de investigação atuais versam os grandes dados. Tem integrado projetos de áreas diversas, trabalhando regularmente como gestor e analista de dados.
 

 

Como citar

Freitas, Francisco (2019), "Globalismo Localizado", Dicionário Alice. Consultado a 28.03.24, em https://alice.ces.uc.pt/dictionary/index.php?id=23838&pag=23918&entry=24292&id_lingua=1. ISBN: 978-989-8847-08-9