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Jihad

Saide Jamal
Publicado em 2019-04-01

A palavra Jihad (do árabe Jahada) significa esforçar-se e submeter-se. Este termo remete-nos para dois campos de leitura aparentemente contraditórios: o primeiro, tem que ver com a abnegação, empenho ou dedicação com que um indivíduo empreende o cumprimento de uma ordem ou orientação dada por uma entidade superior; e o segundo, faz referência ao ato de esforçar-se (individualmente ou em grupo) para impedir uma prática ou ação considerada má ou socialmente ilícita. Logo, podemos inferir que o termo Jihad possui duplo sentido hermenêutico. Por um lado, um sentido de teor ativo para uma ação passiva e receptiva (submissão à uma entidade superior), e por outro lado, um sentido de teor ativo para uma ação ativa (impedir uma má ação).

 

O uso do termo Jihad no Islão repousa no imperativo da submissão do muçulmano às ordens de Alhah (Deus único) enquanto entidade criadora dos céus e da terra, e de tudo quanto existe entre ambos (Maria,19:65). Isto é, submissão do muçulmano a uma crença monoteísta. Deste modo, o termo Jihad encontra três dimensões práticas: a primeira dimensão diz respeito à obrigatoriedade da adoração a Alhah. Sendo a adoração, a razão da criação dos génios e os humanos (Az záriat, 51:56), constitui Jihad na medida em que o muçulmano “abre a mão” de possíveis crenças e se submete ao Deus único. Por exemplo: estabelecer as 5 orações diárias, observar a caridade, efetuar o jejum do mês de Ramadão (nono mês do calendário islâmico). Entretanto, note-se aqui, que nem sempre o indivíduo está disponível ou com “vontade” de cumprir com tais rituais, mas, por se tratar de adoração a Deus, é imperativo o seu cumprimento. Nesta perspetiva, o Jihad seria o valor dos esforços e bens (materiais e imateriais) empregues pelo indivíduo (muçulmano ou muçulmana) na adoração a Alhah.

 

A segunda dimensão do Jihad é de natureza moral e pessoal (Jihad naffsy), esta, tem a ver com a relação do indivíduo consigo próprio ou com a sociedade em que se insere. Esta dimensão diz respeito ao esforço do indivíduo em abster-se dos seus prazeres ou ações que eventualmente causem um mal a si ou ao Outro. Isto é, tem que ver com os comandos que o indivíduo auto emite, no sentido de se autocontrolar e impedir a prática de um mal. Por exemplo: quando um indivíduo percebe por si ou por outrem e se autoimpede da prática de furto, de maldizeres, de decisões injustas, de intrigas, calúnias, de degradar o meio ambiente.

 

A terceira dimensão do Jihad, tem a ver com a necessidade de autodefesa em casos de obstrução - escrita, verbal ou física - da liberdade religiosa, e tal obstrução põe em causa a vida humana. É, ao nosso ver, a interpretação desta dimensão que gera entendimentos diversos que podem levar à intolerância.

 

O Jihad enquanto ações de defesa da liberdade religiosa e da vida humana refere-se, em primeira instância, ao uso de mecanismos pacíficos de auto defesa, tais como a paciência (suabr), o diálogo, negociações e acordos. Na falta de consensos, e como medida de prevenção de conflitos e de garantia da manutenção da vida, Alhah exorta para a emigração, pois Alhah criou o mundo para que as pessoas se movam nele. Por exemplo, é narrado na história da religião Islâmica que aquando do surgimento do Islão em Meca - fortemente contestado e sem espaços para diálogo ou negociações - o profeta Maomé emigrou para Medina, estabelecendo nesta, acordos de liberdade religiosa e de não violência entre religiões.

 

Por fim, e quando esgotados todos os mecanismos pacíficos de auto defesa (a paciência, diálogo, negociações, acordos e emigração) e, com o intuito da manutenção e defesa da vida, recorre-se como meio de defesa, a mecanismos proporcionais aos usados pelo agressor ou violador da liberdade religiosa, respeitando assim os limites impostos e autorizados por Alhah e tendo em conta que a vida humana das partes em desacordo é um bem precioso.

 


Referências e sugestões adicionais de leitura:

Os significados dos versículos do Alcorão Sagrado (2009), tradução de Samir El Hayek, disponível em www.gratisquran.com.br, consultada em 21 de Janeiro de 2016.

Sageman, Mark (2008), Leaderless Jihad, Terror Networks in the 21st Century. Pennsylvania University Press.

 


Saide Jamal é doutor em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra em Portugal e Fellow da Tokyo Foundation. Os seus interesses de pesquisa centram-se em questões sobre direitos humanos, orçamento participativo e desperdício alimentar.

 


 

Como citar

Jamal, Saide (2019), "Jihad", Dicionário Alice. Consultado a 28.03.24, em https://alice.ces.uc.pt/dictionary/index.php?id=23838&pag=23918&entry=24310&id_lingua=2. ISBN: 978-989-8847-08-9