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Oceania

Rui Feijó
Publicado em 2019-04-01

Desde os tempos da Grécia clássica que geógrafos como Anaximandro procuraram dividir a Terra em unidades dotadas de alguma forma de identidade que as diferenciasse. As fronteiras entre o que viriam a ser a Europa, a Ásia e a África foram discutidas, por exemplo, por Estrabão e Ptolomeu. Permaneceu a ideia de que uma grande massa de terra emersa cercada por mar (pelo menos em parte) deveria constituir uma unidade geográfica independente – um “continente”. Este pensamento estava profundamente enraizado no Renascimento quando os europeus chegaram à América, adicionando um novo continente, e quando as viagens que empreenderam os fizeram penetrar no Oceano Pacífico. A seu tempo, um quinto continente viria a ser considerado. Hoje em dia, as convenções geográficas são distintas, e fazem variar o seu número entre 4 (agrupando num só – Eurafrásia – a Europa, a África e a Ásia) e 7 (fazendo a divisão entre duas Américas), sendo a mais frequente a que reconhece 5. Em qualquer dos casos, um dos continentes presente em qualquer classificação é a Oceania.


Chegados a este ponto, desaparecem os consensos. Podemos reconhecer que existe um elemento central: a grande ilha que é a Austrália; que existem, entre as costas da Ásia e das Américas, sobretudo a sul do Equador, várias grandes ilhas que esta polariza (Nova Zelândia, Tasmânia, Nova Guiné), no que para alguns constitui a “Australasia”; e que, no Pacífico, existem três arquipélagos – a Polinésia, a leste; a Melanésia entre o Mar de Arafura e a ilha de Fiji; e a Micronésia, um pouco mais a norte. No entanto, não há absoluta precisão nesta classificação: a Nova Zelândia é considerada parte integrante da Polinésia, e há quem atribua à “Linha de Wallace” que divide dois eco-sistemas e atravessa o arquipélago indonésio o limite ocidental da Oceania, alargando assim o seu leque. Outro exemplo é o caso de Timor: no período do Estado Novo ensinava-se que Portugal era uma nação multi-continental, com parcelas em todos os continentes, colocando-o na Oceania (ao passo que hoje é genericamente aceite que se trata de um país do Sudeste Asiático).


Todas as ilhas deste continente eram povoadas à época da chegada dos europeus – umas há dezenas de milhar de anos, como a Austrália (cuja população aborígene pode ter chegado há perto de cinquenta mil anos), outras, como a Nova Zelândia, haveria poucos séculos, uma vez que os navegadores polinésios deverão ter sido os primeiros a aportar no século XIII. Talvez a maior vaga de povoamento tenha surgido por volta de meados do quarto milénio AEC, com a migração de povos navegadores austronesianos (provenientes da ilha de Taiwan), cuja fileira linguística se encontra bastante disseminada, se bem que coexista com outra de origem papua em partes do continente.


Nos dias de hoje, a Oceania é dominada por uma população descendente de europeus que se fixaram a partir do século XVI, sobretudo depois da “descoberta” da Austrália por Cook em 1770. Não espanta que a maioria da Polinésia seja constituída por territórios dependentes de potências “ocidentais” – USA (Havai, Midway, Samoa), Nova Zelândia (Ilhas Cook, Tokelau, Niue), França (Ilhas Marquesas, Tuamotu, Tubuai, Polinésia Francesa) ou Chile (Ilha da Páscoa), e que as grandes ilhas sejam nações independentes dominadas por descendentes de europeus. A Melanésia é composta por pequenos estados independentes (Vanuatu, Ilhas Salomão, Fiji, Papua Nova Guiné), bem como por domínios da Indonésia (Irian Jaya, Ilhas Maluco) e da França (Nova Caledónia), ao passo que a Micronésia se compõe de um Estado Federal de pequenas ilhas, dos estados independentes de Kiribati, Ilhas Marshall, Nauru e Palau, e dos domínios americanos de Guam, Marianas e Wake. Desde 1970 – quando começaram as primeiras independências das ilhas da Oceania – que se verifica um esforço de organização política comum, hoje em dia consubstanciado no Forum das Ilhas do Pacífico, um veículo para dar músculo ao que são, na sua maioria, micro-estados inseridos num contexto geo-político onde a voz da Austrália tende a ser hegemónica e a criar situações de desequilíbrio político, económico e cultural.


A história do encontro entre populações nativas e europeus teve contornos dramáticos e prolongados. Na Tasmânia, o genocídio da população aborígene foi completo: no início do século XX não havia um único sobrevivente, e todas as línguas autóctones se haviam perdido. Na Austrália, ainda no século XX era entendido que retirar os filhos aos pais aborígenes para os “educar” era uma “método de civilização”. O processo de recomposição dessas relações é ainda matéria de grande actualidade política, seja através da evolução das soluções de relacionamento com países dominadores (referendos sobre a independência da Nova Caledónia e de Bougainville deverão ser realizados até 2020), seja através do reconhecimento dos direitos das populações autóctones, que nalguns casos constituem porção significativa dos habitantes das pequenas ilhas, e que possuem culturas diversificadas.

 

Referências e sugestões adicionais de leitura:
Howe, K. R. (2000), Nature, Culture and History: the “Knowing” of Oceania. Honolulu: The University of Hawai’i Press.
National Geographic (2015), National Geographic Atlas of the World. Washington DC: The National Geographic Society. [10th ed.]

 

Rui Graça Feijó é Investigador (ao abrigo da norma transitória do DL 57/2106/CP1341/CT0004) do CES e investigador associado do IHC/UNova Lisboa. Ao longo dos últimos 15 anos, tem dedicado a sua pesquisa a Timor-Leste, com especial interesse no processo de construção de uma democracia em contexto pós-colonial.

 

Como citar

Feijó, Rui (2019), "Oceania", Dicionário Alice. Consultado a 28.03.24, em https://alice.ces.uc.pt/dictionary/index.php?id=23838&pag=23918&entry=24446&id_lingua=4. ISBN: 978-989-8847-08-9