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Opinião
“Não é possível montar economia em cima de cadáveres”, diz Boaventura de Sousa Santos
Caroline Oliveira, Boaventura de Sousa Santos, Carol Proner, Flávio Dino
Brasil de Fato
2021-04-20

Sociólogo participou do debate “Café com o MST” ao lado da jurista Carol Proner e do governador do Maranhão, Flávio Dino

Café com o MST desta segunda-feira (20) debateu a crise do capitalismo e o papel do Estado - Reprodução

A pandemia causada pelo novo coronavírus está expondo o que é o neoliberalismo, “a face mais selvagem do capitalismo”, e suas contradições. A análise foi feita por Boaventura de Sousa Santos, sociólogo e professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, durante entrevista concedida ao programa Café com o MST nesta segunda-feira (20), ao lado da jurista Carol Proner e do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).

Segundo Santos, o neoliberalismo “não tem nenhuma contemplação com a vida. Aliás, como já sabemos, [a ideia que] hoje domina na extrema direita e na direita, e também no Brasil, é que a economia está acima da vida, como se fosse possível montar uma economia em cima de cadáveres”. Para Santos, essa é uma das faces mais perversas do neoliberalismo, que coloca a economia acima da vida.

A referência é à política adotada por diversos países que ignoraram ou ainda ignoram as recomendações de distanciamento social, feitas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Em Milão, na Itália, o prefeito Giuseppe Sala defendeu a retomada da economia com o compartilhamento de um vídeo da campanha “Milão Não Para”, no dia 27 de fevereiro, quando o país havia registrado 14 mortos. Um mês depois, o número pulou para 9 mil óbitos. Sala veio a público se desculpar pela defesa da campanha.

No Brasil, o governo federal replicou o slogan italiano para criar o “Brasil Não Pode Parar”, excluída da internet dias depois, após determinação da Justiça Federal do Rio de Janeiro e, em seguida, do Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, o presidente continua a estimular que a população volte à “normalidade”. De acordo com o Sistema de Monitoramento Inteligente do governo de São Paulo (SIMI-SP), o percentual de isolamento social no estado foi de 59% neste domingo (20), enquanto o ideal seria de 70%.

Mercado ausente

Santos ainda destaca as contradições do neoliberalismo que agora estão evidentes. Até então, o mercado era tido como um solução para os problemas da humanidade, enquanto que o Estado seria corrupto e ineficiente e, por isso, deveria ter ações limitadas. Com a pandemia, “onde está o mercado?”, questiona Santos. “Está ausente, o neoliberalismo não tem legitimidade nenhuma”.

A lição para isso, afirma o sociólogo, pode ser “um Estado em que finalmente se reconheça que investir na saúde publica não é um custo, é um investimento. Os países que privatizaram mais a Saúde são aqueles que estão pior a lidar com a pandemia: Itália privatizou praticamente tudo, França também, e os Estados Unidos nunca tiveram um sistema público de saúde”. Estados Unidos têm 760 mil casos e 40 mil mortes. França, 154 mil contaminações e 20 mil mortes. Itália, 179 mil casos e 24 mil óbitos. No mundo todo, são 2,5 milhões de casos e 165 mil mortos.

Economia brasileira

O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), trouxe o aspecto brasileiro para a discussão de Boaventura de Sousa Santos. “A economia brasileira já vem em um ciclo de baixíssimo crescimento. Agora nós temos uma queda abrupta da riqueza socialmente produzida, aprofundando as desigualdades, porque os mecanismos de proteção e de compensação disponíveis para os ricos são muito maiores do que para os pobres”.

Desse cenário sombrio, Boaventura de Sousa Santos ainda observa como animadoras as ações de solidariedade espalhadas pelo mundo. “O que eu estou a ver é que as populações abandonadas pelo Estado estão a encontrar formas de se organizar e de se defender. Nós temos extraordinárias organizações comunitárias que mostram o seguinte: os seres humanos são solidários, não são aquele ser competitivo e empreendedor que só pensa em si”.

Alternativas

Para Carol Proner, que também participou do debate, “infelizmente” observar o Estado como aquele que pode garantir os direitos individuais veio da “pior maneira”. “Dentro do capitalismo financeiro mais agressivo, o que querem fixar como não possibilidade é outro mundo possível. Agora, nós temos, em praticamente 30 dias, várias alternativas e percebemos que é possível viver de outras formas. Formas que já são vividas e estimuladas por comunidades que têm uma vida mais comunitária, solidária”, afirma Proner, citando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como exemplo disso.

A jurista aponta uma única solução: “Mais Estado frente a esse poder do capitalismo financeiro, que concentra um poder jamais visto, uma hegemonia jamais imaginada. Para se contrapor a isso, Estado, mas não qualquer Estado, não o Estado de exceção, autoritário e punitivista”, ressalta Proner.

Edição: Vivian Fernandes



Conteúdo Original por Brasil de Fato