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Maria Irene Ramalho

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Agrotóxicos

Marcelo Firpo de Souza Porto, Fernando Ferreira Carneiro
Publicado em 2019-04-02

Os agrotóxicos são substâncias químicas utilizadas no controle de pragas (animais e vegetais) e doenças de plantas. São utilizados nas florestas nativas e plantadas, nos ambientes hídricos, urbanos e industriais e, em larga escala, na agricultura e nas pastagens para a pecuária, sendo também empregados nas campanhas sanitárias para o combate a vetores de doenças.


Essa denominação, em vez de pesticidas ou outras, é fruto de uma ampla luta social travada inicialmente no Brasil para a defesa da saúde pública, do meio ambiente e da agricultura familiar. Os agroquímicos (agrotóxicos mais os fertilizantes e adubos inorgânicos) fazem parte do tripé tecnológico da agricultura industrial capitalista (ou agronegócio) desenvolvida no século XX, junto com a mecanização e as sementes transgênicas. A denominação pesticida (pesticide em inglês), mantida pelo forte lobby da indústria química internacional, reforça o caráter positivo do termo (pesticida, produto que mata – somente – as pestes) e cai como uma luva ao ratificar seus interesses através da consolidação de tais produtos como insumos indispensáveis (segundo profissionais ligados a esses setores produtivos) ao processo de produção rural. Na literatura de língua espanhola, tais produtos são tratados por “praguicidas” (plaguicidas), com clara associação à denominação de pesticidas.


Portanto, o próprio nome expressa uma disputa com as abordagens “técnicas” que defendem o agronegócio (Peres et at 2003).  Os saberes e a luta de camponeses, tal como a dos indígenas e quilombolas, é sistematicamente invisibilizada e considerada uma expressão do “atraso” científico e civilizatório pela modernidade eurocêntrica e pelo pensamento abissal. Os agrotóxicos podem ser analisados tanto do ponto de vista da sociologia das ausências, como pelas emergências apresentadas pela construção da agricultura camponesa agroecológica e de novos mercados pautados pela soberania alimentar e a economia solidária.


Os agrotóxicos representam um dos elos com a crise socioecológica mais ampla em sua relação com o modelo de desenvolvimento dos países neoextrativistas do Sul Global exportadores de commodities agrícolas e metálicas. Como explica o brasileiro Guilherme Delgado, o apoio ao agronegócio (e também à mineração e siderurgia) foi fundamental para o saldo positivo da balança comercial desde a virada do século em vários países da América Latina, em boa parte graças ao chamado “efeito China” que sustentou os preços das commodities. Com isso, vários países latino-americanos reduziram suas dívidas externas e os mais progressistas ampliaram políticas sociais redistributivas. Segundo Delgado, embora conjunturalmente compensatória, a especialização primária das exportações é uma perigosa armadilha: não resolve a dependência externa e ainda agrava a situação deficitária de outros setores com potencial para serem mais justos e sustentáveis. No caso do agronegócio, monocultivos de exportação como a soja explicam a dependência química, inevitável em sistemas ecológicos homogêneos que concentram a produção mundial de alimentos a poucas espécies vegetais e animais, com mercados longos que distanciam e alienam os consumidores. A agricultura industrial trava uma guerra contra a natureza, e a biodiversidade vira uma praga a ser destruída. Não é casual que os primeiros agrotóxicos tenham origem na I Guerra Mundial, e posteriormente tais “inovações” transformaram-se num dos pilares da “Revolução Verde” que prometia acabar com a fome no mundo (Porto, 2018).


Os coletivos e movimentos sociais que participam das resistências e alternativas são principalmente os camponeses, agricultores familiares, indígenas, quilombolas, extrativistas, pescadores artesanais, dentre outros, além do forte destaque do feminismo em sua luta contra o patriarcado. Nas cidades há também movimentos de consumo consciente, alimentação saudável, agricultura urbana e feiras agroecológicas (Porto, 2018). Existem vários movimentos internacionais contra os agrotóxicos, embora nem todos possam ser considerados lutas sociais anti-capitalistas. O Brasil tornou-se em 2008 o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Um marco na luta contra o agronegócio e os agrotóxicos, articulado aos movimentos sociais camponeses, foi a criação em 2011 da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida. Dentre seus objetivos destacam-se a visibilização dos efeitos à saúde (doenças e mortes por intoxicações agudas e câncer, dentre outros), o banimento dos agrotóxicos proibidos em outros países e o apoio à agricultura camponesa e agroecológica. As conquistas têm sido limitadas, com inúmeros retrocessos recentes, diante do poderio econômico do agronegócio e da bancada ruralista no Congresso Federal (Carneiro et al 2015).


A dependência química do agronegócio gera um alto custo, não apenas pela compra de agrotóxicos e transgênicos. Afinal, quem paga pelas doenças e mortes da contaminação? Ou pela degradação ambiental e perda da biodiversidade? A triste resposta, expressa na valorizada linguagem dos números, encontra-se no que os economistas chamam de externalidades ambientais negativas, ou seja, os custos pagos pela sociedade como um todo e pelos grupos sociais mais atingidos, e não por aqueles que se beneficiam mais diretamente daquelas transações comerciais (Porto, 2018).

 


Referências e sugestões adicionais de leitura:

Carneiro, F.F.; Rigotto R.M.; Augusto L.G.S.; Friedrich, K.; Búrigo, A.C.  (2015), Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz/São Paulo: Expressão Popular.

Peres, F.; Moreira, J.C.; Dubois, G.S. (2003), “Agrotóxicos, saúde e ambiente: uma introdução ao tema”. In Peres, F.; Moreira, J.C. (orgs.) É veneno ou é remédio?: agrotóxicos, saúde e ambiente. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, p. 21-41.

Porto, M.F.S. (2018), “O trágico Pacote do Veneno: lições para a sociedade e a Saúde Coletiva”, Cad. Saúde Pública, Vol. 34(7), e00110118. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00110118.

 


Fernando Ferreira Carneiro é biólogo, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz do Ceará, pós Doutor em Sociologia pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e Coordenador do Observatório sobre Saúde do Campo, da Floresta e das Águas -Teia de Ecologia de Saberes.



Marcelo Firpo de Souza Porto é Pesquisador Titular da Fundação Oswaldo Cruz, Coordenador do Núcleo Ecologias, Epistemologias e Promoção Emancipatória da Saúde – NEEPES da Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz, e investigador associado do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

 

 

Como citar

Porto, Marcelo Firpo de Souza; Carneiro, Fernando Ferreira (2019), "Agrotóxicos", Dicionário Alice. Consultado a 28.03.24, em https://alice.ces.uc.pt/dictionary/?id=23838&pag=23918&id_lingua=2&entry=24443. ISBN: 978-989-8847-08-9