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Localismo Globalizado

Francisco Freitas
Publicado em 2019-04-01

A globalização é um termo sujeito a várias definições. Enquanto conceito, remete para diferentes dimensões de análise interrelacionadas, combinando as esferas social, económica, tecnológica, política, cultural e ecológica. Geralmente as diferentes definições inculcam uma ideia de mais e mais interligação das diferentes economias ou dos estilos de vida à escala global, associado ao aprofundamento e impulsionamento dos meios de transporte e comunicação, em cadências assumidamente distintas ao longo dos últimos séculos. Expectavelmente, não existe consonância quanto às origens da globalização enquanto movimento de transformação, podendo ser demarcadas diferentes fases.

 

Associada à globalização, é reconhecida a emergência nas últimas três décadas de uma nova economia mundial apoiada na transnacionalização da produção de bens e de serviços, fundamentada na sobressaliência de mercados financeiros, e na erosão seletiva do Estado-Nação. O Estado-Nação prossegue como unidade fundamental do sistema político herdado da modernidade ocidental, mas vê o seu papel redesenhado. Face à magnitude das transformações observáveis, torna-se ainda mais importante ter em devida conta os conjuntos diferenciados de relações sociais. Tal significa, também, ter em conta os diferentes fenómenos de globalização, que por sua vez corresponderão a diferentes globalizações, devendo o termo ser utilizado no plural.

 

Se colocarmos o foco sobre as relações sociais, identificam-se nas globalizações, lógicas conflituais, apoiadas desde logo em acesso muito diferenciado a recursos. Será, como tal, importante ativar as Epistemologias do Sul para o apreender da forma como se rege tal iniquidade, que linhas abissais são estabelecidas, como se posicionam as sociedades no movimento de capitalismo global, como se rege o sistema interestatal, presentemente. Se, tal como explicitado, é difícil estabelecer, de uma forma substantiva, definições unívocas para um fenómeno tão diverso como a globalização, existem contudo algumas tendências com um alcance alargado, de sentido único. Reportam-se, sobretudo, as já referidas assimetrias, causa e efeito de uma desregulação acentuada da componente económica, sem contraponto nas dimensões sociais da globalização.

 

Em termos da análise do conceito, ao considerar-se a globalização no plural, deve ter-se em conta os diferentes modos de produção da globalização, que por sua vez dão origem a quatro formas de globalização. É aqui que surge o localismo globalizado, exatamente enquanto forma de globalização com características próprias. O localismo globalizado consiste no processo pelo qual determinado fenómeno local é globalizado com sucesso. Neste globalizar de elementos locais, podem contar-se elementos bastantes distintos tais como exemplos clássicos de efeitos da globalização, em paralelo com casos de sobressaliência absolutamente pontual. São exemplos de localismos globalizados, a atividade mundial das multinacionais, a transformação da língua inglesa em língua franca, a globalização de determinadas correntes culturais, a adoção global de leis de propriedade intelectual ou de telecomunicações geridas de forma unívoca, por instâncias centralizadas, a profusão global de produtos de vária ordem e origens, a rápida colocação na agenda de determinado acontecimento mediático, por exemplo.

 

O papel dos localismos tem vindo a ser animado pelos avanços tecnológicos recentes. Efetivamente, a Internet e as redes de comunicação têm funcionado como catalisadores para a difusão de localismos em formatos diversificados, com suportes melhorados, para públicos muito diferenciados, numa cadência historicamente sem paralelo. Sucedem-se localismos agora sujeitos à compressão do espaço e do tempo que se associa à globalização e, por inerência, à própria emergência da sociedade em rede. Esta sociedade em rede permite uma aproximação facilitada à escala global, apenas limitada pelas próprias diferenças ou disparidades de acesso à infraestrutura, das relações de poder que são estabelecidas, também decorrentes das linhas abissais fundadas para gestão da própria Internet enquanto plataforma virtual e universo paralelo amplamente ancorado na realidade.

 


Referências e sugestões adicionais de leitura:

Bauman, Zygmunt (1998), Globalization: The Human Consequences. New York: Columbia University Press.

Santos, Boaventura de Sousa (1997), “Por uma concepção multicultural de direitos humanos, Revista Crítica de Ciências Sociais, (48), 11–22.

Santos, Boaventura de Sousa (2015), Epistemologies of the South. Justice Against Epistimicide. Boulder: Paradigm Publishers.

Stiglitz, Joseph E. (2003), Globalization and its discontents. New York: Norton.

 


Francisco Freitas é um investigador português especializado na recolha, análise e tratamento de dados qualitativos e quantitativos. Os seus interesses de investigação atuais versam os grandes dados. Tem integrado projetos de áreas diversas, trabalhando regularmente como gestor e analista de dados.

 

 

Como citar

Freitas, Francisco (2019), "Localismo Globalizado", Dicionário Alice. Consultado a 29.03.24, em https://alice.ces.uc.pt/dictionary/index.php?id=23838&pag=23918&entry=24316&id_lingua=4. ISBN: 978-989-8847-08-9