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Ativismo Digital

Sara Moreira
Publicado em 2019-04-01

Tão antiga quanto as lutas de poder nas sociedades, a ação direta em prol de transformações sociais e políticas tem vindo a ganhar novos palcos com o advento da sociedade da informação e o acesso alargado às tecnologias digitais. As infraestruturas de rede do século XXI funcionam hoje como ferramentas centrais nos processos de mobilização social e disseminação de campanhas em defesa de causas e direitos – ou em oposição às injustiças e poderes instituídos.


Não sendo um fim em si mesmo, o digital é um meio de comunicação eletrónica através do qual é possível organizar, disseminar, exercer e multiplicar campanhas de sensibilização e protesto. Alargando o âmbito do ciberativismo – que acontece exclusivamente através da Internet – o ativismo digital contempla o conjunto de atividades de campanha com recurso a tecnologias digitais, incluindo as redes sociais e “ativismo de hashtag” mas também o uso de telemóveis e outros dispositivos “offline” (Joyce, 2010) – como as mobilizações convocadas através de SMS (por exemplo, a “Revolta do Pão” em Moçambique em 2010), ou a disseminação de conteúdos através de “pen drives” (por exemplo, as campanhas levadas a cabo por ativistas do software livre através da distribuição de sistemas operativos não corporativos).


As raízes históricas do ativismo digital surgiram precisamente a partir do movimento do software livre, na década de 1980, com as suas comunidades virtuais de criação e partilha de conhecimento em torno do desenvolvimento FLOSS (acrónimo de Free/Libre Open Source Software). O movimento pretendia combater a tendência que se iniciava então de privatizar o software – considerando-a um ataque à liberdade de expressão – e inspirava-se na cultura hacker que surgira nos anos 1960 com a experimentação criativa sobre sistemas de software, subvertendo os propósitos originais da tecnologia e atribuindo-lhe novas funções.


Já com a World Wide Web em funcionamento no início dos anos 1990, surgem os primeiros “hacktivistas”: o levantamento Zapatista, no México, usou de forma pioneira a Internet para chamar a atenção para as suas lutas, incluindo ação direta de “inundação” de websites do governo. As táticas Zapatistas terão influenciado um momento paradigmático do ativismo digital que veio a acontecer em 1999, aquando das manifestações contra a Organização Mundial do Comércio em Seattle, nos Estados Unidos da América. Ativistas do movimento pela alterglobalização romperam o cerco mediático imposto pelos meios de comunicação convencionais ao serviço dos interesses corporativos, lançando um portal autónomo de comunicação e coordenação com o objetivo de potenciar uma cobertura jornalística independente dos acontecimentos. Nasce assim a rede Indymedia, que viria a converter-se num ponto de referência para os movimentos sociais e meios de comunicação alternativos na era da Internet, oferecendo a qualquer utilizador a possibilidade de publicação direta de relatos e notícias nas dezenas de “centros de media independente” que foram surgindo à volta do mundo.


Começam então a florescer novos espaços que possibilitam a “auto-comunicação de massas” online (Castells, 2011) através de blogues, salas de chat, fóruns, wikis e outras comunidades virtuais. Mas é por volta de 2006, com a ascensão da Web 2.0 e das redes sociais corporativas, que as multidões passam a estar interconectadas a um nível que favorece o fluxo contínuo de vozes múltiplas e a organização de ações coletivas.


A grande explosão do ativismo digital dá-se no ano em que o número de utilizadores do Facebook em África, na Ásia, na América Latina e no Médio Oriente ultrapassa o número de utilizadores na Europa e na América do Norte: em 2011, primeiro a Primavera Árabe, e depois os Indignados, a Praça Sintagma e o Occupy Wall Street, entre outros, iniciaram uma nova era no ativismo digital com respaldo de massas no mundo físico.


Se por um lado é evidente que as redes sociais podem servir de ferramenta para as pessoas se fazerem ouvidas e defenderem os seus direitos, por outro existem críticas quanto ao real impacto do digital nos processos de transformação política: desde o “ativismo de sofá” (“slacktivism”, cunhado por Evgeny Morozov), aos limites na capacidade de ameaçarem de facto quem está no poder e provocarem transformações efetivas. Para além disso, muito do ativismo digital de hoje toma lugar através de plataformas corporativas que representam elas próprias uma ameaça à privacidade e integridade de quem as utiliza, já que os poderes instituídos também despertaram para o facto de as redes sociais poderem servir os seus próprios interesses, e passaram a usá-las para vigiar e limitar as liberdades dos ativistas e para manipular a opinião pública. Não pode portanto pensar-se no ativismo digital à margem da necessária luta pela soberania tecnológica e da apropriação dos meios de produção e reprodução.

 

Referências e sugestões adicionais de leitura:
Castells, Manuel (2011), Communication Power. Oxford, UK: Oxford University Press.
Morozov, Evgeny (2011), The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom. PublicAffairs.
Joyce, Mary (ed.) (2010), Digital Activism Decoded: The New Mechanics of Change. International Debate Education Association.

 

Sara Moreira é doutoranda no programa Sociedade da Informação e do Conhecimento no Instituto Interdisciplinar da Internet da Universidade Aberta da Catalunha (IN3/UOC) onde colabora com o grupo de investigação Dimmons, dedicado aos comuns digitais. O seu projecto de investigação debruça-se sobre a comunicação das "outras economias" e é acolhido pelo Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.

 

Como citar

Moreira, Sara (2019), "Ativismo Digital", Dicionário Alice. Consultado a 28.03.24, em https://alice.ces.uc.pt/dictionary/index.php?id=23838&pag=23918&entry=24600&id_lingua=4. ISBN: 978-989-8847-08-9