Entre os meses de maio e setembro de 1871, pela primeira vez na história do Brasil, o parlamento discutiu uma proposta de abolição indireta de escravidão. A proposição encaminhada pelo Imperador D. Pedro II estabelecia que os filhos e as filhas de mulheres negras escravizadas que nascessem no Império, a partir da data da promulgação da lei, seriam de condição livre. Essa proposição provocou um intenso debate no parlamento. A experiência pioneira do Reino de Portugal e Algarves foi reiteradamente acionada por aqueles parlamentares que defendiam a proposta. O Alvará régio que foi publicado em Portugal em 16 de janeiro de 1773 concedia liberdade 1) aos/às filhos/as das mulheres escravizados que nascessem a partir daquela data; 2) às pessoas escravizadas de terceira geração – aqueles cujas avós e mães houvessem sido cativas – nascidos a partir de então; 3) mandava ainda que fossem libertados aqueles/as cujas bisavós houvessem sido escravas. Tanto o Alvará quanto a lei aprovada no Brasil (lei 2.040, de 28/09/1871, conhecida como Lei do Ventre Livre), rompem a condição hereditária da escravidão (princípio romano que definia que “o parto seguia o ventre”).
O objetivo do seminário será apresentar uma parte dos resultados da pesquisa que desenvolvi no Brasil e em Portugal e que tiveram a análise dos Anais do Congresso Brasileiro e o Alvará como corpus analíticos. O recorte que darei a minha exposição durante o seminário será a problematização do alcance de interpretações que conferem, equivocadamente, às mulheres negras escravizadas o pertencimento ao gênero feminino. O que uma aparente condição biológica compartilhada oferecia (a capacidade reprodutiva), a condição racial retirava.
Berenice Bento é professora associada do Departamento de Sociologia da UnB, pesquisadora 1C do CNPq e, atualmente, pesquisadora visitante no CES. Realiza pesquisas nas interfases de gênero, sexualidade, direitos humanos e lutas anticoloniais.