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Para entender el sentido que tiene la noción de “economía de la abundancia” es necesario aproximarnos primero al concepto de escasez y al lugar que ocupa en el pensamiento(...)
Jesús Sanz Abad

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Rede

Sílvia Ferreira
Publicado em 2019-04-01

A rede pode ser vista quer como uma das metáforas das descrições atuais do mundo quer como a forma através da qual o mundo se organiza na atual complexidade. Conceitos de rede são aplicados a múltiplos objetos: nas redes sociais das relações interpessoais, em formas de organização de empresas e ONG distribuídas globalmente, na organização da internet, na governação societal ou nas abordagens ecológicas às relações entre os seres humanos e a natureza.


A orientação epistemológica para as redes tem vindo a sublinhar que a compreensão das suas características e dos seus elementos (pessoas, organizações, etc.) só é possível se se tiver em conta o lugar que estes elementos ocupam nas redes, a densidade e as características dos laços que os ligam. Uma epistemologia de redes assume uma viragem da compreensão do mundo em termos das características dos elementos constituintes, vistos de forma isolada, para a sua interdependência. Ou seja, para o modo como o lugar ocupado nas redes e os conteúdos dos laços e fluxos que circulam (trabalho, dinheiro, discursos, poder, sentimentos, etc.) moldam as características desses elementos e as das redes.


Uma análise das redes a partir de uma posição crítica pode observar, por exemplo, a morfologia das redes e do impacto desta nas diferentes posições de poder e recursos dos atores sociais e o impacto destes na morfologia das redes ou/e as fronteiras e formas de fechamento das redes, sejam elas materiais, cognitivas, normativas, etc., que excluem a possibilidade de circulação de outros atores, ideias ou recursos existentes fora da rede ou em diferentes espaços dentro da rede. Dentro da rede não há um lugar a partir do qual tudo se possa observar e controlar mas também não há uma distribuição totalmente horizontal. Por isso elas são melhor descritas como heterarquias.


A partir das epistemologias do sul as redes podem ser vistas de duas formas. Em primeiro lugar como uma visão do mundo assente na consciência da relacionalidade e interdependência co-constitutiva dos elementos no mundo: seres humanos e natureza, produtores e consumidores, empresas e trabalhadores, cidadãos e estrangeiros, governantes e governados, política e economia, etc., e capaz de perceber criticamente como elementos e categorias se co-constituem e o que se exclui com o modelo de conhecimento cartesiano. Implica também ter presente o modo como o capitalismo se estrutura a partir de várias ficções de separação entre político e económico, o ser humano e a natureza ou o ser humano e o trabalho, entre outras, e perceber os modos como estas ficções se materializam e afetam a realidade, criando vencedores e vencidos, opressores e oprimidos, ao mesmo tempo que ocultam o ato constitutivo destas separações.


Em segundo lugar, as redes são frequentemente forma de organização e coordenação de grupos sociais definidos do outro lado da linha abissal, permitindo possibilidades de articulação e, como tal, capacidade, sendo muitas vezes estrategicamente desenhadas e mantidas como formas organizacionais preferenciais por permitirem simultaneamente a coordenação da ação e a preservação da diversidade e da autonomia. As redes estruturam laços horizontais, permitindo que diferentes elementos da rede colaborem simultaneamente facilitando o recurso a múltiplas competências, conhecimentos e formas de trabalho. A Wikipedia, por exemplo, é coproduzida a partir do trabalho voluntário de pessoas anónimas dispersas por todo o mundo. Na política, a governação democrática em rede coloca em interação uma grande variedade de atores sociais, públicos e das comunidades, diferentes formas de conhecimento e espacialidades e temporalidades diversas. Ela deve ter uma arquitetura que garanta a horizontalidade das relações de poder entre os elementos envolvidos e uma orientação para o bem público ou comum. O orçamento participativo é, em muitos locais, um exemplo de democracia funcionando com base em redes de atores sociais onde comunidades deliberam sobre parte do investimento público local.


É também a rede a morfologia que caracteriza a organização dos movimentos sociais e as suas estratégias de desenvolvimento e articulação. Através da rede é possível colocar em comunicação e ação comum organizações comunitárias, organizações da sociedade civil e outras tão diversas como as que dão forma e sentidos, por exemplo, ao Fórum Social Mundial. Também no âmbito da economia social e solidária e de outras formas de organização da produção e distribuição não capitalistas as redes não só permitem tornar visível o efeito de ficções como as da separação entre produtores e consumidores, como têm o potencial de serem usadas para fortalecem as economias locais e/ou as iniciativas económicas e re-articularem relações isoladas pela dinâmica das economias de mercado capitalistas. Refiram-se, por exemplo, as redes de colaboração solidária que visam a reorganização das cadeias produtivas, ou as estruturas reticulares que organizam as moedas alternativas, os bancos de horas, os clubes de troca, etc.


É importante perceber que as redes não são inerentemente boas. Redes existem que não surgem da auto-organização das comunidades e dos grupos em situação de desvantagem e não têm em vista o bem público ou comum, como as redes terroristas ou as máfias.

 

Referências e sugestões adicionais de leitura:
Mance, Euclides André (2002), Redes de Colaboração Solidária. Petrópolis: Ed. Vozes.
Riles, Annelise (2001), The Network Inside Out. The University of Michigan Press.
Sørensen, Eva; Torfing, Jacob (orgs.) (2007), Theories of Democratic Network Governance. Basingstoke: Palgrave Macmillian.

 

Sílvia Ferreira é doutorada em Sociologia, professora auxiliar na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, investigadora do Centro de Estudos Sociais e do Centro de Estudos Cooperativos e da Economia Social da FEUC.

 

Como citar

Ferreira, Sílvia (2019), "Rede", Dicionário Alice. Consultado a 31.03.23, em https://alice.ces.uc.pt/dictionary/?id=23838&pag=23918&id_lingua=1&entry=24514. ISBN: 978-989-8847-08-9