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Para entender el sentido que tiene la noción de “economía de la abundancia” es necesario aproximarnos primero al concepto de escasez y al lugar que ocupa en el pensamiento(...)
Jesús Sanz Abad

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Regulação Social

Sílvia Ferreira
Publicado em 2019-04-01

A regulação social tanto pode ser encarada como um papel desempenhado sobretudo pelas agências estatais na definição de normas e regras que regulam o comportamento dos atores sociais e das sociedades como, de forma mais lata, a definição de normas que organizam as relações sociais. Outros conceitos próximos são, por exemplo, o de coordenação e o de governação. Trata-se, sobretudo, de tentar perceber como é que a ordem é possível nas sociedades.


Na modernidade ocidental a regulação sustenta-se em três princípios, o Estado, o mercado e a comunidade. Cada um destes princípios da regulação está privilegiadamente em articulação com uma forma de racionalidade do pilar da emancipação - estético-expressiva, moral-prática e cognitivo-instrumental (Santos, 1991). Na comunidade as normas de regulação incluem o altruísmo, a solidariedade e a reciprocidade. O Estado possui poder de coerção e comando e assume-se como garante de um interesse geral e direitos de cidadania. O mercado organiza as relações sociais com base na troca competitiva, na autonomia, liberdade e atomização. Estes princípios têm as suas organizações e instituições privilegiadas, atores sociais, normas, práticas, etc. Na modernidade ocidental a regulação societal resulta de combinações distintas destes três pilares, variando em termos de tempo e espaço. A teoria crítica identifica os desequilíbrios com o hiperdesenvolvimento da racionalidade cognitivo-instrumental, o “colapso da emancipação na regulação” e a sobreposição dos princípios do Estado e do mercado ao da comunidade (Santos, 2005).


Desde a década de 1990 que se propõe a governação em rede (ou nova governação, ou governança) como o novo paradigma da regulação social estruturando articulações entre os três princípios – suas organizações, práticas, normas e racionalidades. Presume-se a ultrapassagem dos paradigmas de regulação dominados pelo comando Estatal e pela regulação mercantil que marcou os períodos do Estado-Providência e desenvolvimentista e o Estado neoliberal, ultrapassando assim os seus fracassos.


Nas discussões sobre a nova regulação societal enfatiza-se frequentemente que estamos perante a diluição das fronteiras criadas na modernidade entre a regulação do Estado, do mercado e da comunidade surgindo, por isso, híbridos que combinam elementos. Todavia, Santos (2005) identifica silêncios relativamente a ideias que estavam presentes nos paradigmas de regulação anteriores como: transformações sociais, participação popular, contrato social, justiça social, relações de poder, ou conflitualidade social e, em lugar destes, resolução de problemas, interesses reconhecidos, autorregulação, jogos de soma positiva e políticas compensatórias, coordenação e parcerias, coesão social e estabilidade. Estas ideias moldam os espaços desta nova regulação a partir da meta-regulação, a regulação da regulação. A teoria crítica identifica, ao nível da meta-regulação, a prevalência da racionalidade técnico-científica acoplada com o princípio do Estado, ele próprio colonizado pelo princípio do mercado, ambos colonizando o princípio da comunidade.


O paradigma da complexidade inverteu o pressuposto ontológico da ciência moderna de um mundo inerentemente caótico para um mundo suscetível de auto-organização. O movimento epistemológico deixa de ser do caos para a ordem e passa a ser da ordem para o caos para abrir o mundo a todas as suas possibilidades. No pilar da regulação pelo mercado e da sua articulação com a racionalidade instrumental esta ideia foi incorporada como princípio de (auto)organização, por exemplo, para gerar inovação, flexibilidade e mudança permanente. Todavia emerge o impacto desta regulação no mundo da vida: a “destruição criativa”, pugnada por Schumpeter, gera precaridade, desigualdade e pobreza.


A partir de uma Epistemologia do Sul observa-se também da ordem para o caos mas a partir do outro lado da linha abissal. Interroga-se, tal como no paradigma da complexidade, como é que se dá a eliminação de todas as potencialidades do mundo? A expressão e o conhecimento dessas possibilidades não têm um único ponto de origem mas sim uma multiplicidade infinita que nasce desse excesso em cada momento e lugar, a partir da própria atualização da regulação mercantil. A ordem e o caos são, assim, co-constitutivos – cada ato de ordenação pode ser visto por outros observadores, os quais trazem para o espaço visível o que se exclui e se oculta. A sociologia das ausências propõe este olhar (Santos, 2002) no campo da racionalidade cognitivo-instrumental, tal como a arte o faz no campo da racionalidade estético-expressiva.


A regulação na modernidade ocidental, seja a que se estruturou a partir do domínio do princípio do Estado ou a que se estrutura atualmente a partir da ideia da combinação dos três princípios na nova governação sob a égide do mercado e da racionalidade cognitivo-instrumental, criou um excesso que é indicado na emergência de iniciativas individuais e coletivas e movimentos sociais com propostas alternativas no campo da política e da economia. O ponto de partida destes movimentos é o princípio regulatório da comunidade (Santos, 2005) em articulação com as diversas racionalidades do pilar da emancipação, estético-expressiva, moral-prática e cognitivo-instrumental. A partir da racionalidade moral-prática, por exemplo, desenham-se iniciativas, organizações e práticas que não esgotam, elas próprias, todas as possibilidades do mundo, mas são expressão e condição de existência do mundo da vida.

 

Referências e sugestões adicionais de leitura:
Santos, Boaventura de Sousa (1991), "Subjectividade, Cidadania e Emancipação", Revista Crítica de Ciências Sociais, 32, 135-191.
Santos, Boaventura de Sousa (2002), “Para uma Sociologia das Ausências e uma Sociologia das Emergências”, Revista Crítica de Ciências Sociais, 63, 237-280.
Santos, Boaventura de Sousa (2005), "A crítica da governação neoliberal: O Fórum Social Mundial como política e legalidade cosmopolita subalterna", Revista Crítica de Ciências Sociais, 72, 7-44.

 

Sílvia Ferreira é doutorada em Sociologia, professora auxiliar na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, investigadora do Centro de Estudos Sociais e do Centro de Estudos Cooperativos e da Economia Social da FEUC.

 

Como citar

Ferreira, Sílvia (2019), "Regulação Social", Dicionário Alice. Consultado a 31.03.23, em https://alice.ces.uc.pt/dictionary/?id=23838&pag=23918&id_lingua=1&entry=24520. ISBN: 978-989-8847-08-9