Revolução portuguesa trouxe de volta a abertura de processos eleitorais, a liberdade de imprensa e o fim das guerras de independência na África. Desencadeou ainda uma experiência de reforma agrária que, ainda hoje, pode servir de inspiração para a luta dos povos da terra no Brasil e no mundo, conforme conclusões da “Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária”, realizada pelo Projeto ALICE e pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra
Brasil de Fato
Bruna Muriel
05 May 2014
“Foi bonita a festa, ó pá.
Fiquei contente.
Ainda guardo renitente
um velho cravo para mim…”
Pois 40 anos depois, faço minha as palavras de Chico Buarque. Também guardo a flor vermelha que ganhei em Lisboa, na última quinta-feira, durante a celebração dos 40 anos da Revolução dos Cravos. Quando todos, idosos, jovens e crianças, caminhavam pelas ruelas e avenidas da capital lusitana sustentando este que tornou-se o símbolo da revolução em suas mãos, cabelos e roupas.
Por toda a margem do Tejo, ouvia-se a voz de Zeca Afonso cantando “Grândola, vila morena / Terra da fraternidade / O povo é quem mais ordena / Dentro de ti ó cidade…”, música-senha que tocou nas rádios portuguesas na madrugada do 25 de abril de 1974, alertando para o início das operações militares daquela que viria a ser a única revolução ocorrida em um país capitalista e colonialista após a segunda guerra mundial.
A Revolução dos Cravos derrubou o regime ditatorial fundado pelo general Salazar quarenta e oito anos antes. Significou a abertura de processos eleitorais, a liberdade de imprensa e o fim das guerras de independência na África que, desde a década de 1960, comprometia grande parte do tesouro nacional, relegando à miséria a maior parte da população da metrópole. Com o objetivo de manter o poderio sobre as últimas colônias, o Império em decadência sustentava, insanamente, o massacre de milhares de angolanos e moçambicanos, entre outros. Assim como a viagem sem volta de soldadinhos portugueses que, cantados em fados de “meninas tristes” e “senhoras de olhos cansados”, não voltariam jamais do outro lado do mar.
Fome, sangue e saudade formaram o amálgama do movimento revolucionário dos Capitães de Abril, que emerge no seio do poder coercitivo do Estado até tornar-se um grande movimento popular pela democratização política e econômica em Portugal. Vale lembrar que a Revolução dos Cravos desencadeou uma experiência de reforma agrária que, ainda hoje, pode servir de inspiração para a luta dos povos da terra no Brasil e no mundo. Foi o que concluiu a “Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária”, mobilizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), realizada pelo Projeto ALICE e pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, que acaba de terminar.
Apesar de mares e léguas a nos separar, a jornada relembrou as conexões entre a experiência do Alentejo e a luta do MST contra o agronegócio de Monsantos & Cias, que hoje, no Brasil, é mantido com unhas e dentes – e com leis e espingardas, oh pá! – pela bancada ruralista – mafiosa e criminosa, oh pá! – que faz a festa no Congresso Nacional. (Porque eles também sabem ser festivos, entre champanhes e canapés. Elaborados com produtos orgânicos, é claro).
Com o tempo, os setores progressistas da Revolução dos Cravos foram perdendo espaço. A reação se fortaleceu e a contra-revolução se instaurou. Desfez-se o projeto de um país livre e igualitário e, hoje, pode-se dizer que de Império Colonial, Portugal tornou-se a periferia do centro mundial, ou o sul do norte global, como afirma Boaventura de Sousa Santos. O país corre um sério risco de reduzir-se ao pátio traseiro – qualquer semelhança com a realidade latino-americana não é mera coincidência – de ingleses, alemães e outros poucos beneficiários das políticas impostas pela União Européia, que diariamente desembarcam em terras lusitanas em busca dos prazeres ibéricos. Yes, eles também tem bananas. E sol, e vinhos baratos.
Assim, nem tudo foram flores na celebração dos 40 anos da revolução: elas dividiam a cena com os gritos e os cartazes contra o atual governo e suas políticas produtoras de desemprego e cortes sociais. Também lá estavam os imigrantes das antigas colônias africanas, denunciando a situação de marginalização em que vivem, assim como a perpetuação do colonialismo. Este, para além da forma de política de ocupação estrangeira, persiste na forma de preconceitos, violências e hierarquias múltiplas, mesmo após as independências.
Mas a semente floresceu nesta quinta-feira, Chico, em forma de cravos e do “Espírito de Abril”. Talvez porque cá faz primavera, pá. Ou porque, como afirma Saramago, “somos a memória que temos”, e os herdeiros de Pessoa não esquecem o quanto é preciso, pá, navegar, navegar…
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