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Boaventura: ‘O governo está dando tiros no pé, corroendo a base social de apoio’

Nascido em Portugal, mas apaixonado pela América Latina, o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, um dos mais renomados pensadores da atualidade, passou a semana em Porto Alegre, para o Fórum Social Mundial. Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Boaventura atualmente é diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa. Ele também fundou recentemente o projeto Alice — Espelhos Estranhos, Lições Imprevistas: Definindo para a Europa, um novo modo de partilhar as experiências do Mundo, uma instituição de financiamento internacional para a investigação científica de excelência em espaço europeu.

Sul 21
Débora Fogliatto
22 Jan 2016

Com trabalhos publicados sobre globalização, sociologia do direito, epistemologia, democracia e direitos humanos, o professor acompanha de perto a política e a economia brasileiras, já tendo vindo diversas vezes ao país. Boaventura, que foi um dos entusiastas à época de criação do Fórum Social Mundial e já demonstrou apoio ao PT em situações anteriores e, durante esta semana, classificou os ex-governadores Tarso Genro e Olívio Dutra como amigos, agora afirma estar preocupado com o rumo das políticas econômicas e sociais do governo federal.

Em entrevista exclusiva ao Sul21, Boaventura fala sobre o cenário atual e critica decisões do governo de Dilma Rousseff. “É tudo resultado de uma forma de governo que está aumentando a desigualdade social. Isso é o que um governo de direita faz, mas num governo que se diz de esquerda é incompreensível”, avaliou. Ele fala ainda sobre a necessidade de regulamentação da mídia, a crise dos refugiados e critica a crença de que mais cadeias gerariam mais segurança. Confira a entrevista completa:

O sociólogo português demonstrou preocupação com medidas que afirma não entender por parte de Dilma (Foto: Caroline Ferraz/Sul21)

Sul21 – Como o senhor avalia o atual momento da política brasileira, com a possibilidade de impeachment da presidente Dilma e um Congresso conservador?
Boaventura de Sousa Santos – É um quadro muito complexo, porque obviamente todos nós somos solidários com a normalidade constitucional deste país e esta normalidade diz que tais como estão as coisas um impeachment seria um golpe parlamentar, uma vez que não se configurou nenhuma das situações de incriminação e condenação criminal da presidente por algum ato realizado na sua gestão que justificasse o impeachment. E isso é algo que eu penso que é unanimemente condenado por quem está nesse Fórum e foi inclusive o grande assunto abordado na marcha de abertura.

Por outro lado, este governo está deixando perplexos aqueles que lutaram tanto por ele. E eu verdadeiramente me sinto cada vez mais perplexo com algumas políticas que estão emergindo e que procuram aprofundar a relação do governo com o capital, especialmente o financeiro, e divorciando-se cada vez mais dos movimentos sociais e das lutas populares.

Sul21 – Isso é perceptível em diversos níveis?
Boaventura – Sim, isso está obviamente acontecendo em todos os níveis, alguns dos quais me são especialmente caros, como o caso da pesquisa universitária e o marco legal das pesquisas. O governo está tentando que seja cada vez mais vinculada aos interesses das empresas e a inovação industrial vai fazer com que os pesquisadores que querem trabalhar com movimentos e organizações sociais não vão ter financiamento para sua pesquisa. Não é pensável que um governo que se diz de esquerda tome essa posição, eu compreenderia um governo como o do Maurício Macri [na Argentina], mas não compreenderia aqui, como não compreendo outras medidas que estão tomando, no domínio do agronegócio.

Portanto, é um governo que está cheio de contradições e que no meu entender está dando tiros no pé, corroendo a base social de apoio. Uma das características interessantes desse país foi dar visibilidade política para a economia solidária e nesse momento a própria Secretaria de Economia Solidária pode acabar ou ser descaracterizada. Também não entendo que Dilma tenha vetado a lei da diversidade linguística, que tinha sido aprovada no Parlamento, e a meu ver [o veto] é um obstáculo ao desenvolvimento. Algo está acontecendo, que me deixa perplexo, é incompreensível, e pode ter consequências perigosas.

Sul21 – O senhor acredita que o governo está mais preocupado em agradar uma base parlamentar de direita do que sua base social?

Boaventura – Há algum tempo é o que vem fazendo, desde o primeiro mandato da presidente Dilma. Mas agora parece que está aprofundando essa distância. Estamos vendo como isso repercute na sociedade, como o maior desprezo pelos quilombolas, afrodescendentes, indígenas e com a violência no campo e urbana que estamos vendo. Portanto, é tudo resultado de uma forma de governo que está aumentando a desigualdade social. Isso é o que um governo de direita faz, mas num governo que se diz de esquerda é incompreensível.

Sul21 – A vitória do Macri na Argentina pode afetar esse quadro aqui no Brasil?

Boaventura – A vitória de Macri é uma espécie de ensaio de como será um país grande comandado pelo capital internacional e pelo imperialismo norte-americano, que é o pretendido para toda a América Latina na próxima década. [O capital internacional] Tem feito já transformações em países menores, como Honduras ou Paraguai, mas a Argentina é o primeiro grande país que cai nessa lógica de destruir as políticas sociais e fazer um governo agressivo, de vincular os governos às exigências do capital financeiro e, no caso da Argentina, certamente a questão da dívida vai ser tratada de uma maneira muito diferente do que foi com Cristina Kirchner. Vai ser o primeiro grande ensaio, vamos ver se eles continuam ou se param por aí, o que também vai depender da resistência popular.

Sul21 – Teve ainda a lei da regulamentação da mídia na Argentina, que o Macri já está querendo derrubar. E aqui no Brasil essa discussão é difícil de ser feita, há muita resistência. Qual seria a importância?

Boaventura – Evidentemente tudo o que significa um controle dos grupos dominantes, das classes dominantes, uma vez que a mídia é hoje nesse país o grande partido de oposição e talvez o mais violento, porque tem praticamente o monopólio da construção da opinião pública, penso que uma regulamentação é necessária. Não no sentido conservador de controlar o conteúdo das mídias como faz a Polônia, mas para garantir a pluralidade e diversidade da opinião pública e publicada, protegendo, ajudando e financiando os meios alternativos, que têm menos dinheiro, menos possibilidades, para que possam se desenvolver e se ampliar.

Sul21 – Em Portugal já existe isso?
Boaventura – Mais ou menos. Existe uma alta autoridade para comunicação social, temos ainda um setor público na televisão e depois as privadas. Já temos um grande controle por parte de interesses privados, uma vez que não temos nenhuma outra forma. Temos uma boa rádio e um bom canal públicos.

Sul21 – O senhor também falou um pouco na quarta-feira (20) sobre a crise dos refugiados. Como está sendo e como pode ser o papel do Brasil em receber melhor esses refugiados e migrantes do que alguns países de primeiro mundo tem feito?

Boaventura – O Brasil tem que assumir que tem que fazer melhor aquilo que por vezes tem feito mal. A intervenção do Brasil no Haiti não é algo que deva ser motivo de orgulho para os brasileiros, é uma ocupação colonial da qual o Brasil participa. Mas ao mesmo tempo os sindicatos calculam que aqui no Rio Grande do Sul haja cerca de dois mil haitianos e senegaleses trabalhando, não sei em que condições. Os sindicatos dizem que devem ser tratados com dignidade e ter os mesmos direitos, mas não analisei se tem ou não. E sobre os refugiados especificamente, há uma grande responsabilidade política, mas penso que o Brasil nos últimos tempos tem mostrado muito pouca solidariedade internacional. Infelizmente, não tenho grandes expectativas nesse momento por parte do Brasil nesse quesito.

Sul21 – Um dos grandes problemas no Brasil atualmente é que há uma enorme população carcerária, que não para de crescer, mas a violência também continua aumentando. Isso é um sinal de que o sistema carcerário está falido, que não funciona?

Boaventura – Absolutamente, não funciona. Apenas para aqueles que querem tirar das ruas os jovens que podem motivar protestos e movimentos sociais, e a resposta da segurança vai alimentar sobretudo esse complexo de segurança, militarizado, em que as indústrias bélicas estão muito envolvidas. Nos Estados Unidos já transformaram as prisões num negócio, com a privatização, o que ainda não acontece no Brasil. Está demonstrado há muitos anos que não funciona, uma vez que as penitenciárias são os grandes locais em que se semeia crime, onde se aprende a fazer crimes muito mais graves do que aqueles que cometeram pelo qual entraram. A segurança humana está se transformando em segurança nacional, com criminalização dos protestos e da juventude, sobretudo da juventude afrodescendente. E muitas vezes pior do que essa criminalização, é o assassinato e o massacre.

Sul21 – Qual seria uma solução melhor para a criminalidade?

Boaventura – Justamente os motivos para a desintegração social são as causas. São jovens que estão desempregados, em famílias desestruturadas por desemprego, com uma desigualdade social cada vez mais gritante e que muitos dos efeitos tornam-se criminalidade, as mulheres muitas vezes tornam-se vítimas de violência doméstica. O que temos é que ir às causas, aumentar emprego, diminuir a desigualdade social, com políticas de aumentar direitos sociais, ter bom atendimento de saúde pública e de educação, não é atacando os sintomas.

Sul21 – A direita brasileira tem muita resistência a essa ideia, acredita no “bandido bom é bandido morto”, isso também atrasa esse tipo de reforma de modelos?
Boaventura – Isso é parte da ideologia dominante, mas no caso do Brasil tem também uma conotação racista muito forte. Isso é que alimenta que depois de qualquer crime haja mais financiamento para a polícia e segurança, e o dinheiro que vai para os armas automáticas não vai para as escolas públicas e hospitais. Faz tudo parte da mesma forma de dominação, quando se gastaria menos atacando as causas no emprego, saúde e educação, para esses jovens que muitas vezes vivem em bairros periféricos, sem nenhuma forma de vida digna e sem transporte público. Então seria mais barato atacar as causas do que os sintomas.

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