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Indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais – desafios para justiça social e cognitiva

Recentemente, o STF começou a aplicar, de forma sistemática, as “salvaguardas” estabelecidas no julgamento “Raposa Serra do Sol” em casos envolvendo direitos indígenas. O precedente, que foi saudado por muitxs ativistas de direitos humanos, como importante para a interpretação dos arts. 231 e 232 da CF, já apresentava, no voto condutor, diversos problemas conceituais, etnocêntricos e coloniais.

Especial para ALICE News
César Augusto Baldi*
12 Dec 2014

Manifestação em Brasília que uniu indígenas e quilombolas em maio de 2014 (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O marco temporal em outubro de 1988, além de ignorar precedentes anteriores (um deles de 1961, sob a Constituição de 1946), partia do pressuposto de possibilidade de fraude, ignorando, pois, o direito de auto atribuição, previsto em diversos tratados internacionais, dentre eles a Convenção 169 da OIT e a de eliminação de discriminação racial.

As considerações sobre a “desnecessidade” de tratados internacionais para defesa de indígenas – constante em vários votos, à exceção do min. Lewandowski – ignoraram não somente a discussão sobre a hierarquia de tratados internacionais, mas também o próprio desenvolvimento do sistema interamericano e internacional de defesa de direitos humanos. Além disso, ignoram que a Declaração da ONU sobre povos indígenas é de novo tipo: não pode ser considerada nem uma mera “declaração” (“direito costumeiro”), nem um “convênio” usual. Primeiro, porque é a primeira em que houve participação não somente de Estados, mas também dos povos indígenas envolvidos. Segundo, porque avança no processo de descolonização dos direitos humanos. Terceiro, porque toda a linguagem está no imperativo ou, quando não está, de forma explícita, indica que os Estados deverão prover tais direitos. Quarto, porque os arts. 38 e 42 estabelecem formas de monitoramento não usuais para uma declaração. Quinto, porque poucos foram os países que não aderiram, à época (alguns, mais tarde, acabaram concordando com o texto).

Não à toa foram um prenúncio, em parte, do que se seguiu quando do julgamento da lei de anistia, que, agora recentemente, a própria Corte Interamericana salientou que “de acordo com o Direito Internacional, que foi soberanamente aceito pelo Estado, é inaceitável que uma vez que a Corte Interamericana tenha proferido uma sentença, o direito interno ou suas autoridades pretendem deixá-la sem efeitos” ( § 22, Resolução de 17 de outubro de 2014, Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil). Não é demais lembrar, no caso específico, que nem o STF poderia se furtar de aplicar o direito internacional de direitos humanos alegando questões de direito interno. A revelar tanto uma dificuldade do órgão máximo do Judiciário em internalizar parâmetros de direitos humanos, mas também de trabalhar em questões envolvendo diversidade cultural e direitos humanos que não sejam eurocentrados, brancos e heteronormativos. A discussão da ADPF 132 e da ADI 4277, com a linguagem de “união homoafetiva”, também partia de um pressuposto familista, em boa parte dos votos, e não de direitos humanos e reconhecimento da pluralidade de visões na sociedade.

A questão torna-se mais complicada quando se encontra prestes a ser retomado o julgamento da ADI 3239, envolvendo a constitucionalidade do Decreto 4887/2003, que estabelece parâmetros para a efetivação do direito das comunidades quilombolas. No caso, o voto condutor partiu de uma visão “congelada”, sem qualquer correlação com a história do país, no sentido de entender como quilombos somente aqueles que fossem reunião de escravos fugitivos, longe dos centros urbanos. Apesar da contestação fática de antropólogos e historiadores, além de ignorar as relações complexas de lutas contra escravidão dentro do país, a realidade distinta conforme os Estados brasileiros, os processos de concentração fundiária e também a racialização da legislação brasileira- o que é sempre ignorado como um fato. No caso deste julgamento, conjugado com a aplicação das “salvaguardas” em relação às terras indígenas, em momento em que o Congresso Nacional busca a “desconstitucionalização” dos direitos territoriais de comunidades indígenas e tradicionais, para manter o sistema de latifúndio e ainda de predominância de trabalho escravo- eufemisticamente considerado “em condição análoga à de escravo”- o STF pode vir a dar um recado justamente no sentido desta ofensiva racista e eurocentrada. Ignorando, por um lado, a jurisprudência novamente da Corte Interamericana, segundo a qual o art. 21 da Convenção Americana, ao garantir o direito de propriedade, implica o reconhecimento não somente da modalidade privada, mas também comunitária e coletiva. Mais que isso: deixa de reconhecer que posse e propriedade, neste contexto, devem ser repensadas como um feixe de direitos socioculturais, econômicos, religiosos, etc. Por outro, desconhecendo tratados internacionais e a territorialidade própria destas comunidades, ao mesmo tempo acaba por ajudar no processo de disputa por terras fora do comércio ( terras indígenas e quilombolas não podem ser comercializadas) e também o pluralismo jurídico interno do país. Um misto de etnocentrismo, colonialismo e racismo, olvidando, tal como no julgamento “Raposa Serra do Sol”, que as comunidades são não somente “sujeitos de direitos”, mas também “sujeitos de conhecimento” e, pois, que a justiça social e histórica se faz juntamente com a justiça cognitiva.

Os tempos estão a colocar em xeque, ainda que não pareça, o papel ativista do STF como “guardião da Constituição” e como “Corte” ( outra denominação colonial) protetora dos “direitos humanos”. Talvez seja a constatação, até hoje, não desejada de que ele foi e continua sendo um tribunal etnocêntrico, eurocentrado e colonial. A ver o que dirão os próximos meses.

*César Augusto Baldi é mestre em Direito(ULBRA/RS), doutorando pela Universidad Pablo de Olavide (Espanha), organizador do livro “Direitos humanos na sociedade cosmopolita” (Rio de Janeiro: Renovar, 2004)

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