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Para entender el sentido que tiene la noción de “economía de la abundancia” es necesario aproximarnos primero al concepto de escasez y al lugar que ocupa en el pensamiento(...)
Jesús Sanz Abad

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Agricultura

José Guilherme Franco Gonzaga, Jonas Neves
Publicado em 2019-04-01

Do ponto de vista etimológico, a palavra agricultura nos remete para a relação entre cultura e natureza, mediada pelo trabalho, pois em sua origem grega, o radical Agri significa terra, e cultura o ato de cultivar, portanto propomos pensar a agricultura em sua perspectiva histórico-sociológica. Nesse sentido, homens e mulheres, por meio das experiências provocadas pelo cuidado com a alimentação, desenvolveram a capacidade, pela observação e pela necessidade, de cultivar a terra. Os restos de alimentos coletados diretamente da natureza foram transformados em sementes e os filhotes de animais caçados começaram a ser domesticados, possibilitando a reprodução intencional. Começava a surgir, assim, uma agricultura de tipo camponesa, na qual a autonomia sobre o cultivo das sementes e sua capacidade produtiva está presente.

 

Neste tempo, natureza e cultura constituíam uma relação simbiótica, aonde a transformação da primeira fazia parte da segunda, em um processo em que o ser humano e suas formas de reprodução material da vida ainda estavam integrados. Diferentes culturas, diferentes tipos de agriculturas. Foi a partir desta interrelação homem/natureza que se tornou viável que alguns agrupamentos humanos pudessem se afixar, ainda que muitas culturas se organizem de maneira nômade.

 

Entretanto, se em seu princípio a função social fundamental da agricultura era a produção de alimentos; com a apropriação de uma parte da natureza, numa perspectiva antropocêntrica, o ser humano aliena-se de uma de suas condições essenciais para a reprodução da vida (terra/solo), dado que deixa de se sentir parte da natureza e a se julgar como seu legítimo direito a apropriação desta, como elemento externo a si. Este processo se manifesta de maneira ampliada no expansionismo europeu e com a colonização, numa perspectiva eurocêntrica, decorrente daquele antropocentrismo, em que também se hierarquiza os seres humanos e as culturas.

 

Esta ruptura entre cultura e natureza se constitui com uma das bases fundamentais para as relações de dominação do homem ocidental cristão em relação à natureza, a outros homens/mulheres e a outros povos. Estabelece-se, assim, uma falha metabólica que, em consonância com um projeto de imposição de uma determinada concepção de mundo, colabora para sua ampliação, seja porque a agricultura se desprende de sua condição inicial de reprodução da vida para se transformar em simples mecanismo de formação de valor e criação de mercadorias, seja porque torna-se hegemônica a ideia de que uma pseudociência é capaz de substituir e suplantar, com fertilizantes e venenos, os recursos naturais em relação a reprodução da vida. Este processo se acentua com a chamada “revolução verde”, que ao mesmo tempo que se coloca no papel de garantir alimentos, produz mercadorias que se inserem em um processo de reprodução de morte da natureza e das relações culturais.

 

Na atual fase do capitalismo, a agricultura está caracterizada pela retirada da autonomia da agricultura camponesa com o controle da indústria, principalmente química, sobre as formas de produção agrícola. A forma epistêmica ou metodológica deste processo é a efetivação da monocultura, provocando, com isso, o epistemicídio da diversidade da vida, tendo como uma das consequências o controle do mercado mundial de alimentos por poucas empresas.

 

Para a superação da crise provocada pela colonialidade e pela modernidade, o que se coloca é a necessidade de uma recomposição da relação cultura e natureza com uma ecologia de saberes que passa também por recuperar formas de garantir a reprodução social da vida. Por isso, entidades como a Via Campesina vêm estimulando movimentos como o da soberania alimentar, que pressupõe o direito de todos os povos de definirem suas políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e comercialização, de forma que se garanta o direito à alimentação, com base na pequena e média produção, com respeito a gestão da vida no campo; as suas próprias culturas; a diversidade de geração, de gênero e das culturas camponesas.

 

A forma epistêmica/metodológica que os povos do “sul” estão a praticar na busca da recomposição cultura natureza e para a garantia da soberania alimentar é a agroecologia. Ou seja, um conjunto de princípios e técnicas que buscam integrar as formas de produção, a preservação dos recursos naturais, recuperação e cuidado com as sementes, a vida e o trabalho no campo.

 

Para tanto, há uma preocupação em criar um sistema de produção baseado em relações sociais mais igualitárias, que não hierarquizem atividades produtivas e reprodutivas, estejam conectadas ao meio ambiente, bem como que orientadas à produção de alimentos saudáveis e à proposição de uma outra combinação entre diferentes conhecimentos e de uso do espaço e do tempo. Em todos continentes diferentes formas e saberes de agroecologia são praticadas por povos com vínculo direto com a terra, considerando a diversidade cultural, epistêmica, alimentar, étnica e das formas de produzir.

 


Referências e sugestões adicionais de leitura:

Mazoyer, Marcel; Roudart, Laurence (1998), História das agriculturas do mundo: do neolítico à crise contemporânea. Lisboa: Instituto Piaget.

Toledo, V.M.; Barrera-Bassols, N. (2015), A memória biocultural: a importância ecológica das sabedorias tradicionais. São Paulo: Expressão Popular.

Sousa, R. da P.; Martins, S.R. (2013), “Construção do conhecimento agroecológico: desafios para a resistência científico-acadêmica no Brasil”, in J.C. Costa Gomes & W.S. de Assis, Agroecologia: princípios e reflexões conceituais. Brasília: EMBRAPA.

 


José Guilherme Franco Gonzaga é Professor Adjunto da Universidade Federal do Pampa, atuando no Curso de Educação do Campo, formado em Pedagogia, Mestrado e Doutorado em Educação pela Universidade Federal Fluminense, com Doutoramento Sanduíche pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

 

Jonas Anderson Simões das Neves é Professor Adjunto da Universidade Federal do Pampa, Coordenador do Curso de Educação do Campo, formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande, com mestrado e doutorado em Sociologia e Pós-doutorado em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


 

Como citar

Gonzaga, José Guilherme Franco; Neves, Jonas (2019), "Agricultura", Dicionário Alice. Consultado a 05.06.23, em https://alice.ces.uc.pt/dictionary/index.php?id=23838&pag=23918&entry=24431&id_lingua=4. ISBN: 978-989-8847-08-9