Mário Vitória (2015) Num cruzamento é sempre necessária uma passadeira [tinta da china e acrílico s/papel, 50x65cm]

Destacado Semanal

Para entender el sentido que tiene la noción de “economía de la abundancia” es necesario aproximarnos primero al concepto de escasez y al lugar que ocupa en el pensamiento(...)
Jesús Sanz Abad

Destacado Semanal

Para entender el sentido que tiene la noción de “economía de la abundancia” es necesario aproximarnos primero al concepto de escasez y al lugar que ocupa en el pensamiento(...)
Jesús Sanz Abad

 

 

Democracia

Leonardo Avritzer
Publicado em 2019-04-13

A democracia é um conceito essencialmente contestado, isso é, o seu significado, os seus usos e a sua prática são objeto de disputas políticas todo o tempo. A democracia é contestada devido à sua história e à disputa entre as diferentes práticas democráticas. Entre 413 AC até o final da revolução francesa, o termo e prática democrática evocavam uma conotação negativa. Os mais de 100 anos que separam a rejeição do termo na primeira modernidade e sua aceitação geral na Europa expressam uma mudança dramática na prática democrática e no uso do conceito. Jeanne Innis sintetizou esta mudança como a substituição da ação de massas e da rebelião pela ideia de reivindicações legítimas pela inclusão política. Ainda assim, não há um consenso sobre o significado da prática democrática no interior de um amplo processo de inclusão política.

 

Existem três teorias principais da democracia, a teoria substantiva, a teoria procedimentalista e a teoria participativa-pluralista. A teoria substantiva da democracia é a mais antiga entre as três e tem como base principal as reflexões de Jean Jaques Rousseau sobre uma soberania forte e contra a ideia de representação que, na teoria do autor seria equivalente a alienação da própria liberdade. A teoria de Rousseau associa fortemente democracia e igualdade e gerou teorias substantivas da democracia no século XX, entre as quais a mais relevante foi a de Barrington Moore Jr que defendeu a ideia da democracia ser o resultado de ações de contenção das oligarquias agrárias. Assim, a democracia na sua concepção substantiva passa a estar associada a uma concepção de justiça ou a um objetivo teológico, o que fez com que esta teoria sofresse críticas. A teoria de Moore Jr sofreu duas críticas principais: a primeira delas esteve relacionada ao espaço aberto para diversas formas substantivas de organização política que comprometeram de alguma forma a liberdade. A segunda, ainda mais relevante hoje, está relacionada a sua incapacidade de entender a democracia fora do ocidente europeu e vias não europeias de democratização.

 

A teoria procedimentalista, em suas  diferentes variações, remete a algumas tradições intelectuais entre as quais vale a pena destacar a teoria habermasiana e o pluralismo Dahlsiano. A concepção democrática do pluralismo supõe que a democracia não pode ser mais do que um método e que é enquanto método que ela expressa sua forma que é mais importante do que o conteúdo. Diversas concepções procedimentais surgiram na segunda metade do século XX, as mais importantes sendo a Habermasiana e a Dahsiana. Para Habermas, o procedimentalismo é um método de assentimento político moral de acordo com o qual apenas são democráticas as normas ações que contam com o assentimento de todos os indivíduos possivelmente afetados por elas. Ao enunciar nestes termos a sua teoria procedimentalista, Habermas realizou uma tentativa de associar normatividade e deliberação, mas tal tentativa ocorreu em um nível de abstração demasiado alto. Robert Dahl apresentou uma variação política do procedimentalismo com uma lista de oito condições para a existência da poliarquia. Nesta lista estão direitos civis, direitos de comunicação e não interferência de corpus burocráticos na organização do governo (Dahl, 1971). O procedimentalismo, em suas diferentes versões, aborda uma questão que é fundamental, a possibilidade de considerarmos a existência de eleições como condição não suficiente para a democracia. No entanto, falta um elemento central para as teorias procedimentalistas, a incorporação de um padrão mais intenso de participação e de deliberação no procedimentalismo.

 

As últimas décadas permitiram o ressurgimento de uma concepção mais forte de participação e, ao mesmo tempo, uma guinada deliberativa. A concepção participativa foi resgatada a partir de experiências de participação social nos países do Sul e implica dar intensidade à democracia a partir de diferentes combinações entre participação e representação (Santos e Avritzer, 2002). No entanto, a concepção de democracia participativa tem um limite na forma de incorporação da diversidade. A democracia participativa é uma forma majoritária de exercício do poder cujos elementos pluralistas não têm muita capacidade de expressão. Assim,  é necessário associar democracia e pluralidade seja pela via deliberativa  seja pela expansão da democracia para campos anteriormente vedados, tais como a família, a escola e a relação entre os sexos, ou relações que se supunham tradicionais mas contêm diversos elementos democráticos, como é o caso dos indígenas (Van Cott, 2008). Assim, a grande característica da democracia nesta concepção são os seus limites incertos e a tendência que nunca se esgota de democratizar o ainda não democratizado.

 

No entanto, é importante perceber que a expansão da democracia não é um processo teleológico com direção. Se temos um conjunto de atores que percebem que a democracia é uma gramática de vida que se aplica em uma pluralidade de arenas e até mesmo define a identidade dos indivíduos, temos um conjunto de outros atores que insistem na não aplicação dos preceitos democráticos nestas mesmas arenas. Assim, a democracia continua sendo uma ideia contestável na sua conceptualização e operacionalização.

 


Referências e sugestões adicionais de leitura:

Dahl, Robert (1971), Polyarchy. New Haven: Yale University Press.
Innes, Joanna; Philp, Mark (2013), Re-Imagining Democracy in the Age of Revolution. Oxford: Oxford University Press.
Santos, Boaventura de Sousa; Avritzer, Leonardo (2002), “Para ampliar o cânone democrático”,  in Democratizar a Democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
Van Cott, Donna (2008), Radical Democracy in the Andes. Cambridge: Cambridge University Press.

 

 

Leonardo Avritzer é doutor em sociologia política pela New School for Social Research e  professor do Departamento de Ciência Política da UFMG.

 

 

Como citar

Avritzer, Leonardo (2019), "Democracia", Dicionário Alice. Consultado a 05.06.23, em https://alice.ces.uc.pt/dictionary/index.php?id=23838&pag=23918&entry=24820&id_lingua=4. ISBN: 978-989-8847-08-9