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Indígenas, imigrantes, pobres: o afropolitanismo no rap crioulo

A poética do rap crioulo na cena musical contemporânea de Lisboa é a expressão de uma profunda cisão cultural entre o centro e a periferia da cidade onde a violência atua como norma e a vivência do gueto apresenta-se como resistência ao racismo.

Especial* para o ALICE News
Susan de Oliveira**
13 Ago 2015

Destacando particularmente o rap produzido no Bairro Cova da Moura, predominantemente habitado por cabo-verdianos e seus descendentes, argumentarei que as narrativas do rap crioulo são registros tanto das condições objetivas como subjetivas dos indivíduos e da comunidade bem como são uma crítica às políticas macrossociais que expõem a violência e a segregação através do “problema” da imigração. Violência e segregação são constituintes dessa poética que retrata a condição do descendente africano e a colonialidade da sua exclusão cuja nacionalidade portuguesa que lhe é duplamente negada – como indígena e imigrante – representa.

O discurso da imigração não trata meramente sobre políticas de inclusão, mas sobre políticas de pertença e essa é uma diferença sutil que aufere à nacionalidade o valor de capital simbólico cujo poder é o que de fato sustenta tal discurso em Portugal funcionando também como condição que regula a diferença e a exclusão – através da burocracia e da legislação – tendo como parâmetro o grau de aceitabilidade e (não) pertencimento à nação.

A imigração é hoje uma espécie de teoria geral que homogeneíza as diferentes formas de como uma terrritorialidade étnica (Anjos, 2014) se constitui às margens da nacionalidade, além de articular o terror a tais diferenças através de mecanismos de controle e interdição, criando as zonas de sombras da ilegalidade dos que “são impedidos de entrar”. Assim, o discurso da imigração

[...] aparece tão próximo de terra-territorium quanto do térreo-territor (terror, aterrorizar), ou seja, tem a ver com a dominação (jurídico-política) da terra e com a inspiração do terror, do medo – especialmente para aqueles que, com essa dominação, ficam alijados da terra, ou no “territorium” são impedidos de entrar. (Haesbaert, 2004: p. 20)

O discurso da imigração é uma formação discursiva no sentido que lhe deu Foucault, ou seja, uma formação discursiva consiste numa articulação entre enunciados diferentes que têm na sua origem processos de formação da verdade e da legalidade observando que se trata, por outro lado, de perceber seu poder de interdição, rejeição e exclusão, pois o discurso em si é descontínuo e não se constitui só pelo que manifesta e afirma, mas também pelo que nega e se torna “o poder do qual nos queremos apoderar” (Foucault, 2006:10). Assim, um imigrante, por mais variados enunciados que sobre ele existam ou possam existir historicamente, pelo discurso homogeneizante da imigração só pode estar dentro ou fora da lei e é nisso que está sua efetividade.

Entretanto, como formação discursiva, cabe também observar que o discurso da imigração que surge após a independência das colônias africanas tende a dar linearidade ao processo histórico atribuindo-lhe uma continuidade que mascara os conflitos do indigenato bem como os da nacionalidade pós-independência colonial. Desta forma e consoante com tal continuidade e linearidade históricas, ocorre a produção de ausências sociais (Santos, 2008) que impede o reconhecimento da emergência do imigrante como sujeito de uma materialidade colonial e de um novo enunciado.

Sobretudo, na fase pós-74 sob a redemocratização da República, o discurso da imigração privilegia mais os aspectos, digamos, “contratualistas laborais” do que os aspectos do intervencionismo regulador do Estado colonial português sobre os processos migratórios anteriores a essa data e, com isso, os unifica. Vejamos particularmente o caso da imigração cabo-verdiana cuja primeira fase, segundo Pedro Góis (2006), é a que compreende o período anterior à independência colonial, do começo ao fim do Estado Novo no começo da década de 1970. Nesse período os cabo-verdianos foram convidados mediante uma carta a trabalharem em Portugal na construção civil e obras do Estado sem necessidade de visto, tendo em conta também que nessa mesma fase os nascidos nas colônias eram, em tese, portugueses: “São portugueses desde que hajam nascido em território português”, declarava o caput do capitulo I, da Secção I, que abre a Lei da Nacionalidade Portuguesa nº. 2098 de 29/07/1959. Essa primeira imigração laboral permite inferir que havia o interesse em criar uma subclasse operária em Portugal facilitada pelas condições de cidadania reguladas e impostas à então colônia de Cabo Verde a qual foi submetida à emigração forçada que:

[…] se pode definir como sendo toda aquela que se processa em consequência da ruptura do equilíbrio produção/população, provocado por secas (fomes e mortandade) ou pressão demográfica, situações estas de que os governos se aproveitaram para incentivar, e encaminhar, por meio de medidas legislativas ou de processos administrativos, a saída da população com o objectivo de proporcionar mão de obra abundante a baixo salário, às organizações agrícolas, industriais privadas de tipo capitalista, da região tropical ou equatorial. […]. Entretanto em relação a Cabo Verde, a emigração forçada possui as suas características específicas que, em grande parte, lhe foram imprimidas pelos diferentes “regulamentos de recrutamento de serviçais” e “regulamentos de emigração”. (Carreira, 1977: p. 23)

A estratégia capitalista dos gastarbeiter – trabalhadores imigrantes – (Wacquant, 2008; Góis, 2006) estava na formulação dessa primeira fase migratória que serviu como medida de criação de um exército de reserva e foi também catalisadora do futuro desemprego estrutural. Tal medida foi beneficiada pelas relações coloniais que davam a prerrogativa a Portugal de ofertar empregos através da manutenção de vínculos do indigenato existentes em Cabo Verde que, por sua vez, estavam ao abrigo de uma legislação diferenciada das demais colônias portuguesas onde havia uma hierarquia entre indígenas e assimilados.

Segundo o Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique (1954), os não indígenas ou assimilados eram considerados aptos à cidadania portuguesa – ao contrário dos indígenas – o que de modo algum significava qualquer garantia face às exigências legais naquela altura, e não muito diferentes das que existem hoje para os imigrantes, tais como ficha criminal “limpa”, rendimentos e bens que lhes facultassem o sustento próprio e de familiares, o bom domínio da língua portuguesa (formação liceal) e hábitos culturais correspondentes. Se tais condições não eram conseguidas ou mantidas ocorria a reversão à condição de indígena também prevista em lei. O Estatuto dos Indígenas, além de determinar as diferenças entre indígenas e cidadãos assimilados e as condições de passagem de uma situação à outra, apresentava a admissibilidade da reversão da cidadania quando comprovadamente o assimilado houvesse retornado aos “hábitos sociais e individuais dos indígenas”, conforme o artigo 64º [1].

Cabo Verde não se enquadrava como jurisdição do Estatuto do Indígena, mas havia mecanismos para fazer com que na prática a política laboral do indigenato fosse aplicada proximamente aos demais países colonizados. Havia, por exemplo, o Regulamento do Trabalho Indígena que definia a particularidade da contratação de trabalhadores cabo-verdianos pela Portaria n.º 109, de 1913 (apud Carvalho, 2007: p.53) [2]. Assim, o que se propagava como exceção confirmaria a regra do paradigma civilizacional do trabalho aplicado aos indígenas de todas as colônias: o trabalho era obrigação moral e legal e, caso não fosse cumprida, o Estado português teria meios de fazê-la cumprir-se.

Em 1947, surgiu o Diploma legislativo nº. 956, de 4 de novembro, que confirmou em definitivo as razões da não aplicabilidade do regime do indigenato aos cabo-verdianos, sendo as condições ambientais e culturais particulares de Cabo Verde o seu fundamento. Mas objetivamente é o seu potencial de mobilidade com vistas ao contratualismo laboral que interessa destacar como forma de diferenciar os cabo-verdianos das relações de trabalho comuns aos indígenas das demais colônias e fazê-los aptos a emigrar salvaguardando-se, pois, que não se perdesse de vista, segundo o Diploma, as “regalias que o Código do Trabalho Indígena oferece” (apud Carreira, 1977: 202) [3].

Com a independência de Cabo Verde e das demais colônias, no ano de 1975 a nacionalidade portuguesa torna-se ainda mais restritiva aos trabalhadores migrados. Conforme o Decreto-lei nº. 308-A, de 24/07/1975.

O Decreto Lei 308-A/75 de 24 de Julho vai retirar retroactivamente a nacionalidade portuguesa a muitos destes migrantes cabo-verdianos transformando-os em imigrantes. Esta Lei deixa, contudo, em aberto a possibilidade de conservar ou obter a nacionalidade portuguesa ao abrigo do seu artigo 5.º Posteriormente a lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81 de 3 de Outubro) vai modificar o princípio de atribuição da nacionalidade do Jus soli em favor do Jus sanguini. De acordo com o DL 308-A/75 de 24 de Julho apenas os descendentes, até ao terceiro grau, de naturais do continente português ou das ilhas adjacentes, ou os residentes em Portugal continental, Açores ou Madeira há mais de 5 anos, à data do 25 de Abril de 1974, puderam conservar a nacionalidade portuguesa. Este dispositivo legal vai afectar particularmente os retornados/repatriados cabo-verdianos retirando-lhes retroactivamente a nacionalidade portuguesa. Só em 1988 é que foi revogado o D.L. 308-A/75 de 24 de Julho. (Góis, 2006:213)

O referido Decreto-lei retirou retroativamente a nacionalidade portuguesa dos africanos “trabalhadores convidados” – e legalmente migrados (cf. supra) – transformando automaticamente grande parte deles em imigrantes ilegais para os quais não houve legalização uniforme desencadeando-se, assim, centenas de milhares de repatriações na direção ex-colônia/ex-metrópole e vice-versa. Deste modo, é menos o movimento populacional em si que causa a mudança do perfil migratório em Portugal nessa fase e mais a legislação da nacionalidade e da imigração que cria uma população retroativa de imigrantes, o que impacta gravemente os cidadãos africanos das ex-colônias portuguesas.

Na terceira fase, após os anos 1980, já sob as novas Leis da Imigração e da Nacionalidade, que passa de jus solis para jus sanguinis (Lei n.º 37/81, de 3 de outubro), há uma nova ênfase nas migrações laborais e no reagrupamento familiar. Góis defende que há uma continuidade “interrompida” da “lógica sociológica” da imigração laboral dos anos 1960 sendo, para tanto, apenas alterada a situação jurídico-legal. Nessa fase “muitos cabo-verdianos mudaram seu estatuto entrando na clandestinidade ou permanecendo ilegais no país a partir desse momento” (Góis, 2006:218-219). No entanto, se sobrepunha a ela a lógica econômica patronal que, nessa nova fase, usava ilegalmente essa mão de obra ilegal (como usava ilegalmente também a mão de obra legal) cujo objetivo era, obviamente, o aumento de mais-valia sobre uma estrutura laboral específica.

No estudo de Góis se pode perceber que uma estrutura laboral e étnica de fato foi implementada em Portugal ao longo do tempo, mas segundo o autor há vários outros estudos que corroboram a existência de etnização laboral na construção civil e nos serviços de limpeza, independentemente da fase migratória observada. A falta de mobilidade destes setores – de perfil masculino o da construção civil, e feminino o do serviço de limpeza –, tanto do ponto vista social quanto étnico, é a sua principal característica além de serem setores quase sempre informais ou bastante próximos da informalidade.

Observa-se, ainda, que nesse processo de construção do discurso da imigração cabo-verdiana pautado pelo paradigma legal de 1975, ocorre a transformação da questão bastante marcada do trabalho colonial e do indigenato em um problema geral da imigração. Com isso, corre-se o risco de se perder justamente a perspectiva da formação étnica e colonialista da subclasse laboral estrutural, que é sua premissa e sua conclusão, ampliando aquela condição inicial de vulnerabilidade indígena agravada pelo racismo e xenofobia que ocorrem também em relação aos demais africanos, ciganos, asiáticos, muçulmanos e assim por diante.

O discurso da imigração surge desta lógica metonímica e coloca a todos no “purgatório urbano” (Wacquant, 2008: p.51) do trabalho sem direitos, da pobreza, uma espécie de limbo civilizacional que esconde os mecanismos de produção de guetos e se sustenta na redução da presença do Estado e abandono dos espaços e serviços públicos dos bairros periféricos cada vez mais empobrecidos por conta do desemprego ou empregabilidade exclusiva da mão de obra barata. O imigrante “descivilizado” do gueto é a continuação do indígena “não civilizado” que passa a ter sobre si, agora na ex-metrópole, toda uma gama de outros estigmas ligados à pobreza e à violência que reforçam as fronteiras étnicas e fazem com que sejam tratados cada vez mais como “dessemelhantes” e como índice de periculosidade iminente (Ibid., p. 88).

Alguns aspectos da poética do rap crioulo perpassam frontalmente o espectro da criminalização no binômio imigração-nacionalidade, onde o segundo termo é contingenciado pelo primeiro invertendo o processo histórico que produziu um perfil migratório com base na mudança da Lei de Nacionalidade e nas conveniências coloniais sobre o trabalho indígena. O rap crioulo aponta a condição negada da nacionalidade portuguesa como ponto de partida para uma trajetória retrospectiva que remonta à história dessa negação: “Querem-me cá de joelhos, mas não estou cá de favor”, diz o verso de “Manifesto S.U.L”, do rapper LBC Soldjah (Santos et al, 2014). E o que é “não estar cá de favor” senão negar-se a perpetuar a subalternidade do indígena colonizado na condição atual de imigrante? Portanto, no discurso do rapper o que me parece sobressair é, de fato, a necessária negação de favores de ambas as partes como também se efetiva a condição anterior da nacionalidade negada sob a precariedade da imigração que, tendo que ser aceita e recalcada, como um trauma histórico persiste e deve ser cobrado.

A negação aqui referida é aquela que, conforme Freud estabeleceu, consiste em uma arqueologia subjetiva, ou seja, negar sobre a negação primeira que “constitui um modo de tomar conhecimento do que está reprimido; com efeito, já é uma suspensão da repressão, embora não, naturalmente, uma aceitação do que está reprimido” (Freud, 1925: 2). Assim, ao assumir a condição da nacionalidade negada o discurso do rap crioulo surgido a partir dela se converte em negação da negação, usando aqui um conceito-chave da dialética marxiana que corresponde a uma reação do sujeito oprimido contra o que o oprime.

Inicialmente, essa negação se dá através da recusa da língua portuguesa que se transforma em pressuposto de uma política de afirmação não conciliatória e que não pode ser apropriada numa totalidade e no discurso único da imigração porque este, ultrapassado o impasse da legalidade, concilia o imigrante com a nação que o recebe através do razoável uso da língua devidamente confirmado por uma prova. O rapper LBC Soldjah, em uma entrevista na qual respondia sobre o porquê de cantar em crioulo cabo-verdiano, explicou:

Durante a escravatura e colonização, os colonizados e escravizados foram proibidos de falarem a sua língua nativa porque representava a resistência e o próprio colonizador não percebia o que eles comunicavam. A própria língua “crioula” nasceu dessa resistência. Cada vez que um escravizado falasse a língua nativa os outros lembravam e havia possibilidades de revolta. Hoje essa imposição se fixa de uma outra forma. Eu classifico a nossa comunidade como uma comunidade colonizada dentro da metrópole onde o racismo, eurocentrismo e a tentativa de desculturação ocorre com frequência. É só ver a importância que os portugueses dão a língua para a aquisição da nacionalidade portuguesa. Isto quer dizer que Portugal não aceita um “outro” com uma fonia diferente. Como disse Frantz Fanon: “falar uma língua é beber da fonte dessa civilização”. Para além disso é difícil dissociar pensamento e a linguagem. Sem a linguagem sucumbiríamos intelectual e afetivamente. Falar uma língua é vivê-la, é manter a cultura viva. O crioulo representa a resistência (LBC Soldjah, Revista Rap Nacional, 2013)

Falar português é condição para aquisição da nacionalidade portuguesa e, não obstante falar a língua oficial seja uma política comum à maioria dos países, sabe-se que nesse dispositivo encerra-se um controle e não um direito, pois sequer o fato de um afrodescendente nascer em solo português e sob as instituições portuguesas – incluída a língua – constitui prerrogativa para a obtenção da nacionalidade. Desse modo, falar em crioulo para a comunidade cabo-verdiana implica resistir e negar sobre o que para eles já foi duplamente negado tanto nas condições de colonizados como nas condições de imigrantes. LBC Soldjah fala a partir de sua comunidade, de sua língua, da resistência existente na diferença fônica que, portanto, não pretende apenas abarcar a diversidade em si ou buscar uma espécie de resposta multiculturalista que levaria a ratificar a falácia da conciliação, mas reafirmar a recusa a ser assimilado ou de não querer assimilar-se que está na origem do crioulo cabo-verdiano:

Surgiu quando os escravos vindos do Continente adoptaram o processo utilizado por todos aqueles que são forçados a aprender uma língua estrangeira nas condições de premência que eram as das relações, tanto verticais como horizontais, que se estabeleceram em todas as sociedades escravocratas: utilizaram lexemas portugueses com a sintaxe das próprias línguas, mas numa perspectiva de autonomização estrutural. Ainda hoje é possível identificar, na estrutura do crioulo de Cabo Verde e, nomeadamente, na variante dialectal de Santiago, vestígios desse encontro linguístico que teve lugar no século XV. (Duarte, 2003: p.37)

A questão da resistência pela língua para o rap crioulo significa recusar a colonialidade que perpassa a condição do imigrante cabo-verdiano e seus descendentes portugueses, mas também ratificar o testemunho histórico do papel que as línguas não hegemônicas tiveram no período colonial, as quais se mantiveram pela oralidade como redutos culturais contra o isolamento que visava a sua supressão (Ibidem). Em relação à língua crioula, ao contrário do que pretendem os entusiastas lusotropicalistas do êxito da mestiçagem em Cabo Verde, o africano que a forjou teria sido

[...] mais violentado culturalmente que os seus irmãos que ficaram no Continente, na medida em que foi cortado da sua família, da sua tribo, das suas tradições, numa palavra, desenraizado e transplantado para um meio diferente, onde, entre outras coisas, lhe foi imposta uma língua estranha. [...] (Ibidem, p. 83)

Édouard Glissant (2013:31-33) prefere o termo crioulidade à mestiçagem, pois é ele que abrange as condições de destruição, resistência e resposta culturais que estão também contempladas no conceito de afropolitanismo de Achille Mbembe (2014b). Ambos os conceitos – crioulidade e afropolitanismo – servem tanto para definir uma herança cultural de resistência quanto as relações contemporâneas pós-coloniais onde reside atualmente a sua importância fulcral. Para Glissant, a verdade do mundo é a crioulização e isso não se confunde com “misturas de sangue” (mestiçagem), mas “significa sair da raiz única” e o sentido de sua afirmação não é uma referência estrita à língua crioula, mas ao fenômeno que as originou, ou seja, o encontro de elementos heterogêneos. Mbembe, enfatizando o aspecto político da resistência lingüística do crioulo em seus vários contextos de formação, entende que a crioulização tem o significado primordial de se dispor ao campo epistemológico e cultural das reinvenções narrativas:

No plano linguístico, a crioulização consiste numa transformação figurativa que implica inevitavelmente um relativo desperdício, uma dissipação e mesmo um obscurecimento do originário. Essa dissipação opera-se no seio de uma amálgama de objectos, formas e coisas. Por isso, num plano epistemológico e cultural, crioulização rima não com a produção mimética e a alienação – como o discurso africano do nacionalismo tende a fazer crer – mas com a verossimilhança, a verossimilitude, onomatopeia e metáfora. (Mbembe, 2014b: 87)

Crioulo e crioulidade são língua e cultura que surgem, portanto, da dissipação da comunidade original necessária para uma formação cultural inventiva que se faz possibilidade em face de uma nova coletividade surgida do encontro de sujeitos estranhos entre si, mas que tem em comum o fato da expropriação de seus bens materiais e simbólicos. (Idem, 2014b)

A consciência dessa imbricação do aqui e do alhures, a presença do alhures no aqui e vice versa, essa relativização das raízes e as filiações primárias e essa maneira de acolher, com pleno conhecimento de causa, o estranho, o estrangeiro e o longínquo, essa capacidade de reconhecer a sua face no rosto do estrangeiro e de valorizar os traços do longínquo no propínquo, de domesticar o in-familiar, de trabalhar aquilo que se aparenta inteiramente a uma ambivalência – é essa sensibilidade cultural, histórica e estética que assinala adequadamente o termo “afropolitanismo”. (Mbembe, 2014b: 184)

Por tal relação cultural e epistêmica que tem como único aporte a oralidade, o corpo e o nomadismo da palavra e da voz, o rap crioulo se engaja ao enlace comunitário afropolita e fundante de sua própria crioulidade.

Dessa forma é que se torna perceptível que não é somente a origem alhures, mas a comunidade atual e presente o principal referente da performance que marca culturalmente o efeito linguístico do rap crioulo. E nas vozes que expressam e fundam a corporeidade negra no centro das performances dos rappers estão as marcas históricas, sociais e as experiências coletivas de modo que essas vozes e corpos contém uma memória e contam uma história de opressão desde o silenciamento nas senzalas e roças até a resistência afirmada pelo ato de fala e pela criação poética na língua inventada e interditada. Assim, o corpo e a voz na poética do rap crioulo como territórios simbólicos representam a ruptura com um repertório civilizacional fundado na supremacia da literacia branca ocidental. O rap crioulo rompe com o grafocentrismo em primeiro lugar, depois com o imaginário da lusofonia e, finalmente, com a perspectiva canônica de tradução.

Cabe agora observar mais detalhadamente algumas composições e performances. O rap “Tudu pobri é um soldjah”, de LBC Soldjah, expõe na narrativa a importância do comunitarismo e a semântica da rua e do gueto que são revelados em uma série de situações particulares na figura dos vários soldjahs que ele menciona:

Eu vejo sua mãe batalhando, ela é um soldjah/ Eu vejo seu pai lutando, ele é um soldjah/ Aquela mãe solteira, mesmo na miséria, é um soldjah /Prisioneiros numa jaula, mas eles são soldjah / Imigrantes sem papeis são soldjah/ Traficante de droga tentando sobreviver é um soldjah / Os covardes dedo-duro podem ser soldjah / As crianças da rua, no “faz ou morre”, são soldjah / Meu jovem estudante é um soldjah / Nós somos soldjah nessa realidade cruel. (LBC Soldjah, “Tudu pobri é um soldjah”, 2012, tradução nossa)

As múltiplas faces do gueto estão presentes em cada batalha particular de cada “soldjah” nomeado e sobrevivente na “realidade cruel” que o rapper cita na narrativa, e esta se fragmenta em tantas quantas forem as situações em que a pobreza e a resistência se manifestam. Cada um em sua experiência singular é um “soldjah”, uma representação particular do gueto – do “nós” –, e cada um vivendo seu estigma amplifica os significantes para essa representação da pobreza e da luta. Conforme Jean Luc-Nancy, o “nós”, aqui entendido como a fraternidade, é “igualdade na partilha do incomensurável” (Nancy apud Mbembe, 2014b: 97) e, nesse sentido, o nome do próprio rapper, Soldjah, é o que o iguala a todos, iguala porque não se pode medir ou comparar a experiência de cada um, e também iguala a todos nos termos da partilha na qual o lutador que cada um é o define para os demais.

O desdobramento do conceito de “soldjah” neste literal “eu sou porque tu és”, ou seja, na representação de uma “ubuntuidade” (Ramose, 2010; Castiano, 2010) que se sobressai nas particularidades da vivência recíproca e solidária do gueto também visa responder a uma convocação, a um chamado de unidade em que todos se reconheçam e percebam que “a tática deles é pobre contra pobre na arena”, conforme narra o rap. Ao enunciar: “Porque todos os pobres são um LBC/ Todo pobre como eu é um soldjah”, é a unidade que prevalece e o rapper é aquele que se funde aos vários significantes do gueto dispersados nos versos anteriores.

No referido rap, o locutor deixa que o “Eu” Soldjah seja tomado pelos demais “soldjah” a ponto de vencer as fronteiras individuais e fazer emergir um “nós” dentro do “Eu” polissêmico, o que coextensivamente também torna visível a fronteira colonial que não apenas se materializa no gueto mas se corporifica e se dissemina na presença movente de todos e de cada um na ex-metrópole onde: “O outro é simultaneamente inerente à heteronomia absoluta e à similaridade e proximidade radical” (Mbembe, 2014b:72).

O caráter polissêmico se ancora também nas cenas do videoclipe oficial gravado nas ruas do bairro Cova da Moura com vários rapazes que cantam em grupo com o rapper LBC, cada um e todos eles são os “soldjah” – o “nós” – que também afirmam: “Isso é pelos negros correndo nessa rua” demarcando, assim, um espaço simbólico – a rua – em que se produz o território étnico como gueto:

A rua condensa as possibilidades poéticas de uma aproximação à correria do dia a dia atrás de um sustento, de uma diversão, de uma bola para jogar, de uma parceria para a rima, de uma conversa, de encruzilhadas de possibilidades e de encontros e fugas que existem no labirinto da Cova da Moura. A rua permite uma aproximação à cultura que se produz a partir do convívio nas esquinas, nas calçadas, nas paradas, nas escadas, nas paredes grafitadas, nas pequenas varandas e janelas. As linhas de fuga dos “negros correndo nessa rua” passam também pelo ato de fala que declara o seu próprio significado e finalidade – “isso é pelos negros” – e, no entanto, tais linhas de fuga são inerentes ao ser Negro (Mbembe, 2014a) que corresponde nesse verso a todas as condições mencionadas antes, as quais, por sua vez, “partilham o mesmo signo de valor colectivo: a negritude física.” (Contador, 2004:177)

Os “negros correndo nessa rua” são o signo de uma poética nômade produzida na condição do gueto, porém, penso que reconhecer-se nesse signo é também marcar no próprio corpo uma dimensão territorial que fica evidenciada quando o gueto é levado ao extremo da sua margem de alteridade nas situações de ações policiais como a retratada no rap “Fronta”, do grupo Kova M (2012).

A narrativa expõe a situação de aflição dos jovens, o medo de morrer que passam todas as vezes que a polícia entra no Bairro para revistar e perseguir os moradores que vivem “estresse de bandido”. “Hora di fronta corre”, diz o rap, e “os negros correndo nessa rua” ganham notória dimensão territorial daquilo que deve, nesse signo corporal, ser dominado: “Eles invadem o gueto/ Porrada em branco e preto/ Faltam-nos ao respeito/ Puxam de seus canos/ Humilham-nos/ Mandam-nos encostar na parede/ Revistam os rapazes”. Entretanto, entrar no bairro e dominar os corpos que correm e se escondem não traduz todo o impacto que a atuação da polícia produz, pois isto está para além do fato em si. Como mostra a letra, há um registro na memória e no imaginário, há um registro psíquico “desse sentimento que não dá para explicar”, a “fronta”, a aflição da revista policial que subjuga tanto pela brutalidade quanto pela humilhação.

O gueto da Cova da Moura se expande para ganhar conexões com outros guetos pelo mundo: o local é global e remete à condição de discriminação nas periferias em geral onde a injustiça social é um fardo mais suportável se narrado e enfrentado pelo grupo. No conjunto das narrativas e das imagens dos vídeos dos MC’s da Cova da Moura vemos o Bairro como cenário tendo, junto deles, grupos de jovens e crianças da comunidade num grande manifesto público de denúncia e proteção mútua, pois:

O terror, e não a vontade de poder, é o que dá o tom exasperado a essas falas. O crime e a droga são tentações enormes, agravada ainda pela falta de alternativas. O rap não oferece, evidentemente, nenhuma saída material para a miséria; também não aposta na transgressão como via de autoafirmação, como é comum entre os jovens de classe média [...]. Muito menos no confronto direto com a principal fonte de ameaças contra a vida dos jovens, que a julgar pelo rap, é a própria polícia. Conformismo ou sabedoria? Provavelmente um pouco de cada um, se é que se pode considerar conformista o ceticismo dos manos quanto à possibilidade de enfrentamento com as instituições policiais [...]. (Kehl, 2008:83)

Nessa linha que procura visibilizar o vivido no bairro Cova da Moura comparando-o como gueto a outros guetos no campo simbólico da colonialidade global, está, pois, o rap “Guetto Aljhazeera”, de LBC Soldjah (2013), onde ele diz “Bem vindo à Europa da Negrofobia, Islamofobia, Afrofobia”. As experiências vividas na própria pele e por causa dela como signo bio/necropolítico territorial do gueto somam-se, assim, às várias outras experiências coloniais que se fundem no universo diaspórico e das imigrações contemporâneas como conjunto de territorialidades nômades. Junto ao propósito de denunciar a colonialidade do discurso da imigração que apresenta esse rap, é interessante considerar que, conforme Mbembe,

No pensamento negro, a interrogação acerca da descolonização (entendida como um momento eminente do projecto de abertura do mundo) é indissociável da questão da Europa. Sob esse prisma, o pensamento da descolonização é uma contenda com a Europa, aquilo que a última afirma ser o seu telos e, ainda mais especificamente, com a questão de saber sob que condições o devir-europeu poderia constituir um momento positivo do devir-mundo em geral. (Mbembe, 2014b: 61)

Desse modo, “Guetto Aljhazeera”, tomado como via afropolita do pensamento negro, questiona o “devir-europeu” e se propõe a romper as fronteiras nacionais, materiais e psicológicas do outro para dar sua informação que diz respeito a uma série de situações em que percebemos o gueto na dimensão da alteridade limite que o compõe. Assim, se anuncia o locutor: “Eu trago notícias que chocam o conformista/ Cuspindo sabedoria até você ter uma metamorfose ideológica/ O objetivo principal é cortar suas correntes psicológicas” (tradução nossa). A letra faz referência à relação colonial explicitada na condição atual do imigrante habitante do gueto e cuja vida não tem valor. Nos versos “Porque nada mudou, ainda indígenas da república/ Executados aqui em espaço público”, a rua é agora território do Estado, é o “espaço público” onde os “negros correndo nessa rua” podem ser friamente “executados”.

A rua repercute semanticamente também na performance deste rap gravado em Atenas. No entanto, as ruas nos vários contextos performáticos diferem entre si e conotam o “projeto poético” no qual podem formular, inclusive, a cada vez um sentido ontológico para a voz (Zumthor, 1997:163). Nesse sentido, em que “o lugar da performance é destacado no ‘território’ do grupo” (Ibidem, p. 164) e, no caso concreto da performance do rap crioulo, vale principalmente ter em conta que a rua simboliza a territorialidade da zona de contato cultural (Pratt, 1999; Pardue, 2012). A performance do rap é o ritual que “serve de quadro” a esse símbolo onde o “nós” e o “eles” têm como sua função principal “enriquecer o sentido ou chamar atenção sobre outros níveis de existência” (Douglas, 1976: 50-53). Assim, é interessante pensar que uma das características principais do evento performático do rap crioulo através da sua dimensão ritual é potencializar a rua não apenas como cenário, mas como símbolo do “devir-mundo” (Mbembe, 2014b: 61) em contraposição ao discurso xenófobo e racista dos telejornais que, conforme a letra de LBC Soldjah, sobretudo no espaço europeu, evoca a segregação dos imigrantes nos guetos e rechaça os diversos povos de África, da diáspora africana, da Palestina, da América Latina e minorias étnicas:

Aqui criminalizado por uma TV com apenas uma face branca/ Multicultural? Veja nossa imagem na TV/ Você é muito preto pros programas deles (ironia)/ Esse é o gueto Aljazeera/ Gueto Aljazeera da Cova M (meu bairro) até a Faixa de Gaza/ Da África até América Latina, nós estamos marchando/ Indígenas da república como os aborígenes na Austrália/ Eu resisto como africanos e árabes na França/ É um crime as mulheres muçulmanas vestirem hijab? (LBC Soldjah, “Guetto Aljhazeera”, 2013, tradução nossa)

O surgimento de uma nova comunidade dos oprimidos se faz ouvir também no rap “Odisseia de Desemprego” (2014), no qual LBC Soldjah expõe sua poética na forma de um drama em diálogo entre vários sujeitos em situação de risco, seja pelo desemprego, pela falta de recebimento de salários que o emprego informal não garante, pela debilidade de saúde e a impossibilidade de se aposentar ou pela iminência da deportação. O risco para todos os pobres e trabalhadores precarizados é o mesmo: a perda do mínimo para a sobrevivência. No entanto, ao imigrante existe o risco excedente da deportação caso não consiga os documentos da residência, risco de alcançar o extremo da alteridade, do limite externo do “eles” e do estar fora:

É preciso uma residência para ter um contrato de trabalho/ É preciso também um contrato de trabalho para ter uma residência/ No ano anterior, trabalhei, o patrão não me pagou o salário/ Nem posso queixar, corro o risco do SEF me deportar (LBC Soldjah, “Odisseia de Desemprego”, in: Santos et al, 2014)

É também no espaço da comunidade dos “pobres, imigrantes e filhos da imigração” (Hezbo MC, 2014) que estão exilados do direito à voz que ecoam as potentes intervenções políticas que articulam os rappers, tal como Hezbo MC faz em “Rap di protestu” (2014). De certa forma, é um chamado a todos os MC’s para o fazer acontecer da palavra: “Já tá na hora de MC’s assumirem protesto na rua”, convoca. Esse rap também se coloca em diálogo com o graffiti que, por sua vez, já é um acontecimento politizador por sua interpelação visual constante dos sujeitos no bairro Cova da Moura, motivo pelo qual ele chama a atenção para o seguinte fato neste mesmo rap: “Graffitis na parede tá a pedir revolução”.

Observa-se que no videoclipe oficial desse rap tal diálogo enunciado se faz presente na performance encenada nas ruas em meio a esse contexto em que muros e paredes falam. São várias imagens de grafittis, pichações e cartazes que são colocados em sequência durante todo o percurso cenográfico dialogando com o discurso do rapper: “Povo armado. Povo respeitado! Viva a revolução!” é a mensagem pichada que abre a série. Em seguida, são destacados os graffitis de Amilcar Cabral com a frase “Unidade e luta” seguida de outro onde se lê: “Morte ao fascismo”. Outros rostos conhecidos aparecem todos grafitados nas paredes, como o Pantera Negra Mumia Abul Jamal, que se encontra condenado à prisão perpétua nos EUA; Zeca Afonso, poeta e músico português e o rapper estadunidense Tupac Shakur, ambos já falecidos, se unem na polifonia da cena.

No videoclipe em que as paredes do bairro Cova da Moura “pedem revolução”, criando na contraface desse discurso eloquente a denúncia da tentativa de silenciamento da comunidade, aparecem também imagens de uma manifestação ocorrida em 17 de janeiro de 2009 contra a violência policial nas periferias de Lisboa, onde o próprio rapper Hezbo MC usa de um megafone para protestar. Tal imagem onde a comunidade surge fazendo uso efetivo da sua voz é seguida da mensagem pichada em uma parede: “Uma injustiça contra um é uma injustiça contra todos”.

A referida manifestação ocorreu após a morte do jovem Edson Pina Sanches, o Kuku, 14 anos, morador da Amadora, executado por um policial com um tiro na cabeça a poucos centímetros de distância. Este, que não foi um caso isolado, provocou uma reação contra o tipo de ação policial implementada pela PSP (Polícia de Segurança Pública) nos bairros de periferia de Lisboa. As mortes dos jovens Angoi, Tony, PTB, Tete, Corvo, entre outros, foram lembradas na manifestação, pois todas elas foram cometidas por agentes policiais sem a devida apuração ou punição. A foto de Kuku é uma das imagens de referência do videoclipe “Rap di Protestu” e passou a existir nas paredes também como um dos graffitis que pedem revolução e justiça:

Graffiti em memória de Kuku, em Amadora. Ao lado, sua mãe.

O problema da violência policial é diretamente tratado no videoclipe “Pa tudu kes k kai” de Hezbo MC (2014), que utiliza fartamente imagens de ações da PSP e inicia com as cenas gravadas da mesma manifestação de 2009, realizada em frente à Esquadra da PSP do Casal da Boba, Amadora, que foi cercada por enorme tensão entre os manifestantes e a polícia. O ato foi marcado pela intervenção dos rappers Hezbo MC, Chullage e LBC Soldjah, entre outros integrantes da Plataforma Gueto [4] e demais manifestantes. Chullage, através do megafone, fez um longo discurso e chamou o grito de ordem “Justiça”, argumentando que o fato de Kuku ser um jovem negro o tornou na versão do policial que o matou e da mídia, um criminoso para o qual qualquer julgamento ou pena – nesse caso, a pena de morte – seria considerado aceitável:

Os mídias disseram: um jovem foi baleado, era um criminoso. E as pessoas responsabilizaram: se era um criminoso, a polícia fez bem. Mas não, era uma pessoa, era um ser humano que tinha 14 anos. E por ser um ser humano, jovem, negro, morador destes bairros isolados com estas políticas de habitação e estas políticas sociais. Como já disseram, põem esquadras, não põem postos de saúde, não põem bibliotecas, não põem nada de equipamento social aqui. E são reservatórios de mão de obra precarizada ou desempregados… (Chullage, Manifestação, 2009, transcrição nossa)

O videoclipe “Pa tudu kes k kai”, de Hezbo MC, segue com cenas de ações policiais nos bairros periféricos. São usadas imagens televisivas e gravações clandestinas onde se vê a ação da PSP e a detenção de jovens. Ao final, ouve-se sampleada a voz da jornalista: “Cenas de guerra às portas de Lisboa. A polícia cercou o bairro da Cova da Moura”, e completa: “As imagens fazem lembrar um cerco policial numa favela do Rio de Janeiro, mas isto passa-se na Amadora, às portas de Lisboa”:

“Às portas de Lisboa” trata-se de uma frase corriqueira na sociedade e na imprensa portuguesa para tratar as periferias. Mas é do deslocamento de um termo aceito como natural que justamente surge uma reflexão nesse novo contexto em que o rap de Hezbo MC o coloca. Também é propriamente dessa inserção na montagem musical que o repete em eco e o recontextualiza que a iteração do termo “às portas de Lisboa” cumpre a sua função no rap enquanto disputa pelos significados e perspectivas epistêmicas da narrativa histórica. Dessa forma, os comentários banais destacados causam um impacto que leva a pensar no térreo-territor que essa banalidade simula, seja pela comparação entre o bairro Cova da Moura e a realidade militarizada das favelas do Rio de Janeiro, seja pela ideia de que isso se passa às margens de Lisboa.

As duas frases são, por outro lado, extremamente exitosas para demonstrar precisamente o que o rap crioulo tem dito, ou seja, comprova que há uma profunda e naturalizada segregação no imaginário português em relação aos bairros periféricos que, pelo enfoque da jornalista, ganham uma dimensão maior de não pertencimento, de marginalidade ameaçadora do equilíbrio “interno” de Lisboa e a paz local com “cenas de guerra” consideradas como alheias às suas estruturas sociais, jurídicas e políticas, mas pertencentes a alhures, às terras brasileiras e outras tantas. Coisas de periferias que o imaginário do centro – cotejando aqui a crítica de Boaventura de Sousa Santos (2004) – não comporta como constituinte da sociedade portuguesa.

O discurso da imigração, tal como argumentei, reitera a existência de uma totalidade de não portugueses – de não pertencentes – sem mencionar ou negociar os mecanismos históricos que negam a nacionalidade portuguesa aos afrodescendentes nascidos em solo português. Os bairros “degradados”, no fundamento dessa ideia, se constituem como um fora, a fronteira do Portugal dos não portugueses, como assevera paradoxalmente o rap “Portugal aos portugueses”, de Chullage (2011), no qual o rapper aponta as várias formas de segregação existentes no país. Os problemas nacionais são de outros, são os outros, mas ao mesmo tempo esses outros estão sujeitos a uma estrutura e a uma lógica de poder e pertencimento excludente que os oprime.

Como bem define Giorgio Agamben, trata-se propriamente de uma lógica de exceção: “Estar-fora e, ao mesmo tempo, pertencer: tal é a estrutura topológica do Estado de exceção” (Agamben, 2007:57). O discurso que deambula na boca dos aparatos estatais e dos medias utilizando-se de uma expressão cotidiana que ratifica o território nacional como fronteira é o mesmo que implementa o aditivo do terror – o que aterra e que está impedido de entrar – sobre aquele que está “às portas” e sendo detido, isto é, contido pela polícia. O significado de contenção é obviamente legitimado pela ideia de detenção – o expurgo paradoxal se faz pelo confinamento – e propositalmente enfatizo a similaridade entre a ação de “deter, prender, eliminar do contato” e “conter, impedir, segurar”. Na similaridade é a ação policial que pode ser visibilizada como bio/necropolítica da fronteira que alimenta o conflito entre o “nós” e o “eles”, o fora e o dentro, o conter/deter e o expulsar onde tal ação personifica o direito do Estado de decidir entre qualquer um dos polos que, no entanto, não são excludentes, mas interdependentes. Quanto menos o Estado atua como mecanismo de inserção social mais ele se faz presente na forma da intervenção policial (Idem, 2002), quanto mais a prerrogativa da vida dos cidadãos está refém das garantias do Estado de produzir segurança, mais este assume as funções de uma tanatopolítica. Assim,

[...] A morte do outro não é simplesmente a minha vida, na medida em que seria minha segurança pessoal, a morte do outro, (a morte da raça ruim, da raça inferior ou do degenerado, ou do anormal) é o que vai deixar a vida em geral mais sadia e mais pura. Portanto, relação não militar, guerreira ou política, mas relação biológica. (Foucault, 1999:305)

Achille Mbembe, em Necropolítica (2011), dialogando com Foucault, Agamben e Carl Schmitt, argumenta sobre a continuidade dos espaços da colônia e das plantações escravistas nos guetos modernos e que ambos os espaços se encontram na origem não só do Estado de exceção, mas do Estado de terror relacionado ao direito de soberania sobre territórios de outros, o que significa, inclusive, matar para civilizar além do seu próprio território onde a guerra não é submetida às suas próprias leis e onde a ideia de um espaço não civilizado torna desnecessária a justificação para a guerra:

El terror colonial se entremezcla mas bien incessantemente con un imaginario colonialista de tierras salvajes y de muerte, y con ficciones que crean la ilusión de lo real. La paz no constituye necesariamente la consecuencia natural de una guerra colonial. De hecho, la distinción entre guerra y paz no resulta pertinente. Las guerras coloniales se conciben como la expresión de una hostilidad absoluta, que coloca al conquistador frente a un enemigo absoluto. (Mbembe, 2011:41)

Se no período colonial o terror e a guerra aos colonizados careciam de pouca ou nenhuma justificativa, hoje a linguagem é extremamente importante como veículo terrorificador e condutor da bio/necropolítica ou tanatopolítica, tendo em vista que interfere na percepção do racismo e práticas higienistas correlatas. Legitimada pela linguagem, a descivilização promovida no gueto (Wacquant, 2008) que remete ao indigenato via imigrações arbitrariamente articuladas (Borges, 2008) e que toma o sentido de não pertencimento à nação e posterior desnacionalização (cf. supra) é um agravante que se articula ao problema crucial da modernidade o qual, para Agamben, seguindo Foucault, consiste na lógica profunda do campo de extermínio:

[...] uma das poucas regras às quais os nazistas se ativeram constantemente no curso da ‘solução final’, era a de que somente depois de terem sido completamente desnacionalizados (até da cidadania residual que lhes cabia após as leis de Nuremberg), os hebreus podiam ser enviados aos campos de extermínio (Agamben, 2002:139).

As imagens dos guetos africanos de Lisboa projetam a espacialização da colonização na urbes moderna se revelando como definição que subjaz aos diferentes contornos da xenofobia lançada sobre os imigrantes que ocupam “livremente” e “ao seu modo” os espaços sociais onde o racismo se camufla. O que resta ao terror colonial é agora combater a territorialidade étnica dos imigrantes dentro dos próprios espaços metropolitanos. A cidade colonial se projeta nas imagens articuladas do “Guetto Aljhazeera” e dos seus habitantes, tornados outra vez indígenas:

A cidade do colonizado, ou pelo menos a cidade indígena, a cidade negra, a Medina, a reserva, é um lugar mal afamado, povoado de homens mal afamados. Aí se nasce não importa onde, não importa como. Morre-se não importa onde, não importa de quê. É um mundo sem intervalos, onde os homens estão uns sobre os outros, as casas umas sobre as outras. A cidade do colonizado é uma cidade faminta, faminta de pão, de carne, de sapatos, de carvão, de luz. A cidade do colonizado é uma cidade acocorada, uma cidade ajoelhada, uma cidade acuada. É uma cidade de negros, uma cidade de árabes (Fanon, 1968:29).

A cidade do colonizado agora é chamada de gueto, o indígena colonizado é o imigrante a quem se atribui um deslocamento inerente, um não pertencimento originário, uma segregação inevitável. Ao próprio imigrante – genérico da minoria étnica, do guetizado, do pobre ou do desnacionalizado – é imputado o problema de sua existência racial e precária como uma ameaça para a nação e por isso ele deve ser mantido nas margens da sociedade, ou seja, “às portas” diante das quais os serviços de imigração e as polícias fazem a guarda.

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Notas:
[1] “A cidadania concedida ou reconhecida nos termos dos artigos 58.º e 60.º poderá ser revogada por decisão do juiz de direito da respectiva comarca, mediante justificação promovida pela competente autoridade administrativa, com intervenção do Ministério Público” (Caput do Artigo 64.º do Estatuto dos Indígenas)

[2] Sónia Vaz Borges explica que: “Este regulamento viria a ser reforçado em 1928, com a aplicação do Código do Trabalho dos Indígenas das Colónias Portuguesas, aprovado pelo Decreto n.º 16 199, de 6 de Dezembro”. In: Borges, Sônia Vaz. Amílcar Cabral: Estratégias políticas e culturais para a independência de Guiné e Cabo Verde. Dissertação de Mestrado, Universidade de Lisboa, 2008, p.53. “Todo o indígena da província de Cabo Verde está sujeito à obrigação moral e legal, de procurar adquirir pelo trabalho os meios que lhe faltem de subsistir e de melhorar a própria condição social. Tem plena liberdade para escolher o modo de cumprir essa obrigação, mas, se não cumprir de modo algum, a autoridade pública pode impor-lhe essa obrigação“ (artigo 1.º).

[3] Diploma Legislativo n.º 956, de 4 de Novembro de 1947: “As crises resultantes da falta de chuvas tendem a ser sempre mais frequentes e mais graves, parecendo por isso aconselhável que se facilite a saída da colónia de indivíduos com trabalho assegurado em outras colónias. O cumprimento das formalidades exigidas pelas leis vigentes acarreta despesas que a maioria, se não a totalidade, dos que pretendem emigrar não poderia suportar. As populações de Cabo Verde, segundo a redacção dada ao único artigo 246.º da Carta Orgânica da Lei n.º 2016, de 29 de Maio de 1946, não estão sujeitas nem à classificação de indígena nem ao regime de indigenato. É porem manifesto que as regalias que o Código do Trabalho Indígena garante aos trabalhadores são mais vantajosas para eles do que as estabelecidas no Código Civil. Por isso se reconhece a necessidade de estabelecer normas de contrato que, garantindo aos trabalhadores contratados de Cabo Verde todas as regalias que o Código do Trabalho Indígena oferece, não os sujeitem a exigências incompatíveis com o seu grau de civilização.” (apud: Carreira, 1977, p. 202)

[4] Plataforma Gueto é um coletivo de Lisboa, do qual vários rappers são membros, e que se define através de seu sítio oficial na internet como: “Movimento Social Negro que defende a autodeterminação de todos os povos através da resistência anti-imperialista e antirracista.”

* Este artigo é um breve resumo da investigação de pós-doutoramento realizada em Lisboa sob o acolhimento do CES/UC, em 2014, com o apoio integral da Capes/Brasil através do convênio Capes/FCT.

**Doutora em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Pós-doutora em Literatura Comparada pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Professora e investigadora na UFSC, Brasil, onde atua na área de literatura portuguesa e literaturas africanas de língua portuguesa, no Programa Pós-Graduação em Literatura e também coordena o Núcleo de Estudos de Poéticas Musicais e Vocais.

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