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Um empate histórico parece consumar-se à beira do abismo, de tal modo que nem passos em frente nem passos atrás parecem possíveis. Daí a sensação de implosão, uma ordem que mal se disfarça de caos, um caos que, por repetição, parece a única ordem possível.

Jornal das Letras (Coluna Sociedade Breve)
04 Jan 2017
Boaventura de Sousa Santos

Raramente os anos começam com uma sensação de fim tão intensa quanto este de 2017. Se algo começa, é o começo do fim. No plano internacional está no ar uma mistura tóxica de ausência de alternativas e de agravamento da crise, uma entidade mutante que se desdobra em crise económica, financeira, política, ecológica, energética, ética, civilizacional. Esta mistura tóxica funda tanto a sensação de que algo termina como a de que é impossível que algo novo emerja. Um empate histórico parece consumar-se à beira do abismo, de tal modo que nem passos em frente nem passos atrás parecem possíveis. Daí a sensação de implosão, uma ordem que mal se disfarça de caos, um caos que, por repetição, parece a única ordem possível. Os componentes principais deste impasse são os seguintes: a crise que não tem crise, dronificação do poder, acerto de contas.

A crise que não tem crise. Até agora, sempre que surgiram crises houve necessidade de as explicar e de as superar. O pensamento moderno assenta na ideia de que as crises são oportunidades para novas soluções. Não é isto o que se passa hoje. A crise passou a ser tão permanente que, em vez de ter de ser explicada, é ela que explica tudo. Se as classes médias estão a desaparecer em todo o mundo, a razão é a crise. Se os países se endividam de maneira insustentável, a razão é a crise. Esta inversão entre o explicans (o que explica) e o explicandum (o que tem de ser explicado) tem uma consequência insidiosa, fatal e fatalmente ignorada. Quando a crise deixa de ter de ser explicada e passa ela própria a explicar tudo, não há qualquer possibilidade de pensar em alternativas, em saídas que impliquem a superação da crise, porque esta passou a ser uma constante e como tal o limite máximo do que pode ser pensado. O pensamento da crise está a transformar-se no maior sintoma da crise do pensamento.

A dronificação do poder. O poder, qualquer que seja a sua medida, tende a ser exercido em excesso e de forma extrema. Os drones militares são a melhor metáfora do modo dominante de exercício de poder no nosso tempo. Quem mata, mata visualizando o inimigo no ecrã a muita distância e atingindo-o mediante movimentos do rato e toques no teclado. Mortes limpas, decididas segundo protocolos predefinidos e provocadas em horário de turno. É um poder unilateral, invulnerável e impune que não obedece às regras da guerra nem às Convenções de Genebra. Não é uma guerra em que morram soldados. Morrem noivos e convidados em casamentos, acompanhantes em funerais, rodas de amigos em esplanadas. O benevolente presidente Obama foi quem levou mais longe este tipo de assassinato tecno-selvagem, crimes contra a humanidade segundo a Amnistia Internacional. Este tipo de poder está presente em muitos outros campos para além do militar. É o tipo de poder que o capital financeiro exerce hoje quando, de uma hora para a outra, especuladores e analistas financeiros, colados aos seus ecrãs e teclados, mediante a manipulação de números e de conclusões de relatórios aparentemente técnicos e inócuos, lançam um país na falência, milhares de trabalhadores no desemprego, e muitos mais na fome e na iminência de guerra civil. Também aqui o poder é invulnerável e a sua atuação, impune.

Acerto de contas. Instala-se na sociedade a ideia de que as instituições tanto nacionais como internacionais não são capazes de cumprir as funções para que foram criadas. É, pois, legítimo recorrer à ação direta, fazer justiça pelas próprias mãos. Este recurso assume muitas formas nos diferentes campos sociais e varia segundo as relações de poder em jogo. O terrorismo e a reação contra o terrorismo é hoje um dos campos mais visíveis de acerto de contas. Os grupos terroristas usam o poder ao seu alcance para saldar as contas com o imperialismo ocidental que, ao longo de séculos até aos dias de hoje, invadiu, destruiu, saqueou e humilhou os povos e as culturas árabes e islâmicas.

Por sua vez, a reação ocorre segundo a mesma lógica de justiça privada. Cada vez mais frequentemente, os autores dos atentados são mortos sumariamente e nada podemos saber pela sua voz sobre o que se passou e porquê. A opinião pública é levada a acreditar em tudo o que dizem os comunicados do Estado Islâmico e nunca saberá quem de facto mandou matar e com que objetivos.

Outro campo de poder extrajudicial para acerto de contas é a violência policial contra jovens negros nos EUA ou no Brasil, ou contra povos indígenas na América Latina ou na Austrália. Neste caso, o acerto de contas toma por vezes a forma de reação extra-institucional aos ganhos políticos e direitos sociais que os grupos sociais historicamente oprimidos recentemente conquistaram e que tiveram nos EUA a manifestação dramática de eleger um presidente negro.

No campo político há uma área emergente de acerto de contas ainda pouco reconhecida: o voto de ressentimento contra as ideias, valores e instituições dominantes. Neste caso, o acerto de contas consiste em usar as instituições como armas de arremesso, o que surpreende sondagens, analistas e líderes políticos. Em tempos recentes, o voto pelo Brexit e o voto por Donald Trump foram, em grande medida, votos de ressentimento, um acerto de contas com os políticos profissionais, o preço por durante tanto tempo e de modo tão hipócrita terem esquecido os “seus” eleitores, negligenciando os seus interesses e fazendo tábua rasa das suas necessidades e aspirações.

Esta narrativa do ano que começa como se algo estivesse a acabar não é a história toda. Se fosse, não a descreveria assim. O mundo está cheio de resistência e luta, de gente inconformada com o presente estado de coisas. Cumprindo o espírito da época, também estas lutas surpreenderão os analistas e os políticos. Há que estar atento aos indícios.

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