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Interview to Boaventura de Sousa Santos in Portuguese

Boaventura inquieta comunidade acadêmica da UnB

“Prezados companheiros indignados, a vossa luta é a nossa luta; somos 99% e eles, 1%”

Por Luana Luizy, da Vírus Planetário Brasília

” Ou se humanizam todos ou não se humaniza ninguém, sociólogo Boaventura de Sousa Santos inquieta comunidade acadêmica.”

O sociólogo português Boaventura Sousa Santos esteve em Brasília na última semana e deixou inquieta a comunidade estudantil com suas provocações sobre rebeldia e libertação. Boaventura insistiu na ideia de um bom rebelde, para o sociólogo o rebelde competente é aquele que está sempre em estado de vigília e alerta sobre qualquer tipo de injustiça e deve aliar razões convincentes a paixões mobilizadoras.

Leia abaixo a entrevista que o sociólogo deu para Vírus Planetário:

Você disse que o continente velho não tem nada para ensinar, talvez crise não seja um momento de oportunidade. Onde estaria a mudança?

Gostaria sim que fosse. Obviamente que a Europa foi com os Estados Unidos, o grande agente daquelas medidas do FMI responsáveis que causaram tanto mal na América Latina, por tantas crises econômicas no Brasil, Argentina e México e os europeus sempre acharam que isso era bem porque nunca chegaram a pele, quando a crise chega em casa não sabem o que fazer, portanto são impedidos de poder encontrar uma solução porque durante muito tempo acreditaram nela. Na Europa domina muito o preconceito colonial, foram cinco séculos que a Europa esteve a dominar o mundo, portanto o que acontece no Brasil e África é muito distante para eles, o preconceito impede. A crise está a criar oportunidade para conhecer outras experiências do mundo.

“Prezados companheiros indignados, a vossa luta é a nossa luta; somos 99% e eles, 1%; se nos fecharem o futuro, abrimo-lo de novo; se nos negam as instituições, a rua é afirmativa; se nos negam a democracia, democratizaremos a democracia; e a prova dos nove é a alegria”, Boaventura de Sousa.

Talvez a mudança não estaria em governos progressistas na América Latina?

A mudança agora na América Latina parece estar nos governos progressistas, mas precisamos ver como eles chegaram no poder. Eles chegaram no poder através dos movimentos sociais, sem movimentos sociais fortes não haveria no poder Lula, não haveria Hugo Chávez nem Evo Morales e Rafael Correa, então houve articulação entre movimentos progressistas e sociais e um divórcio posterior, o que agora fica muito claro entre o movimento indígena e os governos progressistas. Na Europa tem que ser assim, efetivamente com os movimentos, governos e partidos. Só que os partidos na Europa ficaram muito colonizados pela lógica neoliberal, inclusive os partidos socialistas, então é preciso criar novos partidos ou valorizar aqueles pequenos partidos. Em Portugal o bloco de esquerda, na Grécia, Syriza, na Alemanha Linke, são projetos, pequenos partidos que tentam emergir desse marasmo, pântano que a Europa está e precisam fazer articulação com os movimentos sociais, o que não acontece no momento, por enquanto estão os jovens nas ruas e os partidos cercados no parlamento.

Mas você não vê na Juventude Rasca em Portugal e os Indignados na Espanha como tentativas válidas?

Claro é isso mesmo! Só que na rua o grande problema é que na rua você não faz promoção política, isto é, na rua você mostra a deficiência democrática de nossos países, mas temos que encontrar soluções alternativas, não basta ocupar a rua é preciso ocupar o parlamento. Porque ocupamos as ruas e não ocupamos os bancos? Porque se ocupássemos os bancos a polícia militar vinha e matava, portanto há muito  que se fazer no movimento dos indignados.

Sobre a articulação dos movimentos sociais pela internet.

É importante para os movimentos se juntarem, depois já não é importante para formulação política. Por exemplo, o movimento indignados, na Espanha, em Madrid, onde estão mais desenvolvidos trabalham bairro a bairro e trabalham com reuniões e assembleias, isso precisa ser feito presencialmente. A internet é boa para agregar gente, mas depois é preciso de outras formas, também não sabemos no futuro como as redes sociais vão se comportar.

Sabemos que as grandes agências como Google e Twitter estão a serviço das empresas capitalistas e que por algum momento podem confundir as massas, podem trocar as mensagens e destruir as mensagens. O Google não é um instrumento de maneira nenhuma ingênuo, pelo contrário é argiloso, como o facebook. O Julian Assange sabe muito bem disso, esses meios estão atrelados a meios privados e se amanhã for necessário nossos dados estão disponíveis para eles. Precisamos trabalhar com as redes sociais, mas não transformar em todas as soluções do mundo.

Sobre os meios de comunicação alternativos.

Primeiro, eles precisam parar de ser alternativos, porque os alternativos demonstram que há uma norma e que nós somos alternativos a essa norma que está atrelada a interesses econômicos e não-democráticos, portanto os meios alternativos são aqueles que no futuro precisam ser A Norma, precisam ser defendidos como todos os outros. Estamos no continente em uma luta pela regulamentação dos meios de comunicação, que tem sido muito difícil, mas onde a Argentina fez uma coisa muito interessante em dividir o espectro magnético, claro que isso teve uma resistência enorme, mas há medidas fundamentais que os governos precisam tomar, porque a grande mídia é um grande partido de oposição as grandes mudanças progressistas do continente e as lutas como estamos vendo, os povos massacrados, assassinados,nunca saem na imprensa, e quando saem é  de uma maneira totalmente distorcida que só favorece quem os mata.

Sobre a mercantilização da educação.

O capitalismo é sempre voraz e procura meios para se valorizar, o mercado de carbono é um bom exemplo, a começar a comercializar o ar, depois o conhecimento e nas universidades e é a mesma lógica. E a ideia do conhecimento que estamos privilegiando na nossa universidade é que não tenham valor de mercado. Devemos lutar é que haja um projeto de país, de solidariedade, humana, de outro mundo possível. É uma obrigação dos estudantes e professores lutarem contra isso e contra todos aqueles na universidade contaminados por essa lógica mercantilista.

Sobre as cotas raciais.

Durante muito tempo no Brasil acreditava que o problema racial não era racial, mas de classe e social, e se resolvia apenas por cotas sociais. A verdade é que 95% da população negra no Brasil é pobre, a porcentagem população branca é muito inferior. Logo há uma variável que faz com que raça articule com classe, então é preciso dois tipos de cotas, as sociais e raciais. É evidente que se começou pelas cotas raciais, indígenas e quilombolas afro-descendentes, por boas razões, porque estavam há muito tempo completamente excluídos e havia uma questão de justiça histórica que vem desde os colonizadores, portanto hoje pensou-se em buscar um equilíbrio.

 

Ref:  http://www.virusplanetario.net/boaventura-inquieta-comunidade-academica-da-unb/