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Boaventura de Sousa Santos revisita Museu da Maré

Boaventura de Sousa Santos revisita Museu da Maré no Rio de Janeiro

Boaventura de Sousa Santos, sobre a visita ao Museu da Maré, 7 de novembro de 2015.
“A visita ao Museu da Maré foi para mim emocionante. Verdadeiramente inesquecível! Senti-me em casa. Recuei muitos anos e senti que tanto para a Maré como para mim foi bom rencontrarmo-nos e constatar que mereceu a pena viver a vida para poder gozar momentos de tanta intensidade. Hei-de voltar e contem comigo para o que for necessario fazer em defesa do Museu”

Fotos de Museu da Maré (https://www.facebook.com/museudamare/timeline) mais fotos em (https://www.facebook.com/museudamare/posts/1144274208916528)

Sobre a ligação entre Boaventura e a Maré – Depoimento de Boaventura de Sousa Santos em 2009:
“A favela da Maré. A favela da Maré hoje é uma cidade comparada com o que era na altura. Era assente em palafitas e era a miséria mais abjecta que eu alguma vez tinha visto [...]. Lembro-me perfeitamente de ir pelos caminhos de palafita, a falar com o presidente da associação de moradores, e tivemos uma conversa óptima: eu disse-lhe o que é que eu gostava de saber e estivemos a conversar. Até que, depois de uma hora de conversa, em que eu estava a perguntar como é que podia alugar um barraco… “Ah, mas o senhor vem viver para aqui?”, “Venho.”, “Então, mas não tem medo das doenças?”, “Não, eu quero fazer o meu trabalho, e o meu trabalho tem de ser feito aqui.”, “Ah, muito bem. Mas afinal verdadeiramente o que é que você quer fazer aqui?”, “Eu quero fazer uma investigação sobre esta favela.”. O homem olha para mim e diz assim: “Portuga de merda, tu sais daqui ou eu mato-te.”. Agarra numa carabina que tinha na parede: “Tu sais daqui ou eu mato-te.”. Eu fiquei perplexo. “Investigação”, o que é que eu disse? Não sabia exactamente. Mais tarde é que eu vim a perceber que erro é que eu tinha cometido. Foi uma mudança… Eu imediatamente fiquei lívido, como podem imaginar, não é? Fiquei com muito medo. Saio. Começou-me a empurrar. Eu vim pelas tábuas que ligavam o barraco dele a um outro barraco que me trazia a um pequeno largo já em terra firme, onde está uma série de mulheres, em círculo, porque entretanto tinha causado alarido, causou surpresa, e eu cheguei ao pé de uma delas e disse: “Eu não entendo. Eu estava a conversar com o Sr. Fulano (já não me lembro dele), e ele de repente começa a dizer isto e diz que me vai matar.” E há uma senhora mais de idade que se aproxima de mim e diz “Eu se fosse a ti, ia-me embora já, e não corras até dobrares aquela curva.” Porque havia uma curva, e depois de curvar ia dar à Avenida Brasil, que é onde estão os ónibus que circulam entre o Galeão. E eu assim fiz. Saí muito calmamente, nervoso, a tiritar por todos os lados, muito nervoso. Muito calmamente. Quando dei a curva e eles deixaram de me ver, corri que nem um louco, meti-me no primeiro ónibus (autocarro como dizemos em Portugal), e fui até à casa de um amigo meu, não me lembro agora o nome dele, mas é um Transcrição 14 advogado no Rio ainda hoje. Cheguei lá estava completamente estava passado… Deram-me um chá, tiveram que me deitar, porque eu estava realmente ofegante e completamente transtornado. Lá depois me acalmaram e me disseram “Vamos lá contar um pouco o que é se passou”. E eu disse passou-se literalmente isto. “Pronto, agora vou-te explicar…”, e depois um outro colega do IUPERJ confirmou ainda mais: “Tu falaste em investigação. No Brasil, investigação é criminal, é polícia. O que tu estavas a fazer é pesquisa, não é investigação.” É por isso que eu hoje estou muito interessado em tradução intercultural. Por não a ter feito ia ficando ali. [...] Tinha-me preparado o melhor possível em termos teóricos, mas nunca me tinha dado conta da diferença do português do Brasil em termos do que poderia ser a minha investigação. Pronto, a partir daí, fui escolher então, por conselho de várias pessoas, inclusivamente gente ligada à Igreja Católica que na altura trabalhava nas favelas, que eu também conheci na altura no Rio, que era muito importante fazer aquilo que eu no fundo queria fazer, que era ir viver numa favela operária, e houve duas opções: a Rocinha e o Jacarezinho. Primeiro fui à Rocinha. Cheguei a alugar um barraco lá no alto da Rocinha, mas entretanto fui visitar o Jacarezinho e, de imediato, me dei conta de que era uma favela mais diversificada sociologicamente para mim, porque era uma favela mais operária do que era a Rocinha”.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Boaventura de Sousa Santos (depoimento, 2009). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV; LAU/IFCS/UFRJ; ISCTE/IUL, 2010. 41 p.
Publicação da pesquisa mencionada: